Programa Cognitivo-Comportamental de Educação Nutricional para Mulheres com Excesso de Peso

Cognitive-Behavioral Nutrition Education Program for Overweight Women

Programa Cognitivo-Conductual de Educación Nutricional para Mujeres con Sobrepeso

Andreia Neves Duarte1

Elizabeth Queiroz

Universidade de Brasília (UnB)

Resumo

Introdução: A pesquisa teve como objetivo propor e avaliar um programa cognitivo-comportamental de educação nutricional para mulheres com excesso de peso e identificar fatores que interferem na adesão. Métodos: estudo qualiquantitativo, quase experimental, com mulheres com excesso de peso, alocadas em dois grupos: um que participou de um programa em grupo baseado no modelo cognitivo-comportamental e outro que recebeu acompanhamento individual. Foram comparados dados antropométricos e bioquímicos, além de fatores relacionados à adesão. Resultados: Os dados antropométricos e bioquímicos não diferiram significativamente entre os grupos. A análise qualitativa evidenciou mudanças relevantes em relação à qualidade e quantidade da alimentação ingerida. Discussão: As estratégias utilizadas permitiram a elaboração de recursos cognitivos relevantes para perda de peso. Conclusões: O programa auxiliou em mudanças nos hábitos alimentares, o que pode repercutir em alterações antropométricas e bioquímicas relevantes no médio prazo.

Palavras-chave: obesidade, perda de peso, educação alimentar e nutricional, terapia cognitiva-comportamental

Abstract

Introduction: The objective of this research was to propose and evaluate a cognitive behavioral nutrition education program for overweight women and to identify factors that interfere with adherence. Methods: A quasi-experimental, qualitative and quantitative study, were performed. Overweight women were separated in two groups: one who participated in a group program based on the cognitive behavioral model and the other who received individual follow-up. Anthropometric and biochemical data were compared, as well as factors related to adherence. Results: Anthropometric and biochemical data did not differ significantly between groups. The qualitative analysis showed important changes in relation to the quality and quantity of the food ingested. Discussion: The strategies used allowed the elaboration of relevant cognitive resources for weight loss. Conclusions: The program assisted in changes in eating habits, which may impact on relevant anthropometric and biochemical changes in the medium term.

Keywords: obesity, weight loss, food and nutritional education, cognitive behavioral therapy

Resumen

Introducción: La investigación tuvo como objetivo proponer y evaluar un programa educativo de nutrición cognitiva conductual para mujeres con sobrepeso e identificar factores que interfieren con la adherencia. Métodos: Un estudio cualitativo y cuantitativo, cuasi-experimental, de mujeres con sobrepeso que fueron asignadas en dos grupos: uno que participó en un programa grupal basado en el modelo cognitivo conductual y el otro que recibió un seguimiento individual. Se compararon datos antropométricos y bioquímicos, así como factores relacionados con la adherencia. Resultados: Los datos antropométricos y bioquímicos no difirieron significativamente entre los grupos. El análisis cualitativo mostró cambios en relación con la calidad y cantidad de los alimentos ingeridos. Discusión: Las estrategias utilizadas permitieron la elaboración de recursos cognitivos relevantes para la pérdida de peso. Conclusiones: El programa ayudó a los cambios en los hábitos alimenticios, lo que puede afectar los cambios antropométricos y bioquímicos relevantes en el mediano plazo.

Palabras clave: obesidad, pérdida de peso, educación alimentaria y nutricional, terapia cognitivo-conductual

Introdução

A prevalência do excesso de peso apresenta índices crescentes e, no Brasil, atinge mais da metade da população adulta. Apesar dos esforços da comunidade científica e das políticas governamentais para enfrentamento desse problema, a obesidade já atinge 18,9% dos adultos brasileiros, sem diferenças entre os sexos (Brasil, 2018). Esse quadro traz à tona uma preocupação com a baixa eficácia das estratégias de saúde usualmente utilizadas na abordagem do problema.

Na área de saúde, a maior preocupação com a alimentação inadequada e o excesso de peso diz respeito ao aumento do risco de doenças cardiovasculares na população, uma vez que tais condições favorecem o desenvolvimento de hipertensão arterial sistêmica (HAS), dislipidemias e diabetes (Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2001; Sociedade Brasileira de Diabetes, 2007; Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Hipertensão, Sociedade Brasileira de Nefrologia, 2010).

Adicionalmente, outras questões de ordem psicossocial devem ser consideradas, como a estigmatização sofrida por pessoas obesas (Tomiyama et al., 2018), bem como aspectos psicológicos, como ansiedade, depressão e baixa autoestima, que podem ser desencadeados pela presença da obesidade (Segal, Cardeal, & Cordás, 2002) no contexto social contemporâneo, o qual persiste em impor um padrão idealizado e homogêneo de beleza (Mattos & Luz, 2009).

Outro ponto importante a ser considerado acerca desse tema diz respeito à estrutura dos ambientes sociais urbanos, atualmente considerados como propícios para o desenvolvimento da obesidade, uma vez que aumentam as oportunidades de consumo alimentar excessivo associado ao sedentarismo (Lerario & Lottenberg, 2006; Souza & Oliveira, 2008).

Nesse sentido, o enfoque da obesidade deve envolver fatores como: a mudança dos hábitos alimentares; a prática regular de atividade física; a identificação de aspectos psicológicos; a consideração de fatores sociais e dos ambientes obesogênicos; e, em alguns casos, o tratamento farmacológico e/ou cirúrgico (Alves, 2012).

No entanto a abordagem usualmente utilizada pela área de saúde responsabiliza o indivíduo pelo encaminhamento de ações que implicam mudanças de estilo de vida, com pouca ênfase em fatores psicossociais multidimensionais (Rodrigues & Boog, 2006). Diante dessa questão, destaca-se a necessidade de intervenções mais abrangentes e contextualizadas para a efetividade de programas de prevenção e combate à obesidade.

Dos fatores enfatizados no tratamento da obesidade, a mudança de hábitos alimentares é apontada como o de mais difícil adesão por parte dos pacientes (Pontieri & Bachion, 2010), por envolver questões desde o âmbito cultural até as experiências pessoais (Viana, 2002). Assim, contribuições da psicologia da saúde relativas aos diferentes componentes biopsicossociais que constituem o comportamento alimentar e influenciam no processo de adesão aos tratamentos de saúde podem auxiliar na abordagem desse aspecto.

Nesse contexto, o modelo cognitivo destaca-se como um pressuposto teórico que a literatura aponta como efetiva em programas de mudanças de hábitos de vida, por ser uma abordagem que destaca o estudo de aspectos de caráter biopsicossociais que ajudam na compreensão dos comportamentos de saúde (Beck, 2009). Trata-se de uma abordagem baseada na teoria de que o problema em questão é mantido por cognições e crenças ­disfuncionais. Esse enfoque utiliza práticas com o intuito de modificar comportamentos a partir da assimilação de antecedentes e consequências de determinadas condutas, associando-as com técnicas cognitivas destinadas a identificar, avaliar e posteriormente reestruturar crenças e cognições disfuncionais (Tsiros, Sinn, Brennan, Coates, Walkley, & Petkov, 2008). Dessa forma, o objetivo terapêutico desse modelo é reestruturar os pensamentos distorcidos e colaborativamente desenvolver soluções pragmáticas para produzir mudança e melhorar aspectos emocionais e comportamentais (Knapp & Beck, 2008).

Vasques, Rodrigues e Álvarez (1998) destacam que os obesos podem se beneficiar do modelo cognitivo, uma vez que esse enfoque vem mostrando eficácia por objetivar a organização das contingências para mudança de peso e condutas, em princípio, relacionadas ao autocontrole de comportamentos alimentares e contextos sociais e situacionais mais amplos.

Considerando que na área de saúde a teoria e a prática ainda se encontram, muitas vezes, separadas, o objetivo do atual estudo foi propor e avaliar um programa de educação nutricional baseado no modelo cognitivo-comportamental como estratégia para adoção de hábitos alimentares saudáveis e redução do peso e do risco cardiovascular em mulheres com sobrepeso e obesidade. Adicionalmente, o estudo também se propôs a identificar fatores que facilitam e dificultam a adesão ao tratamento das participantes do programa.

Métodos

Foi realizado um estudo qualiquantitativo quase-experimental, do tipo pré/pós-teste com grupo controle não equivalente. As atividades da pesquisa foram desenvolvidas em um ambulatório de nutrição do Sistema Único de Saúde (SUS) no Distrito Federal, e a coleta de dados teve duração de três meses.

As participantes foram alocadas de forma não randomizada em dois grupos: Grupo Experimental (GE), que participou do programa de educação nutricional semanal em grupo pautado no modelo cognitivo-comportamental e teve duração de três meses, e Grupo Controle (GC), que recebeu o aconselhamento nutricional individual, mensal conforme o protocolo padrão do ambulatório onde a pesquisa foi realizada.

As participantes do GE foram recrutadas mediante propaganda do programa nas Unidades de Saúde da cidade de realização do estudo. A etapa de recrutamento teve duração de um mês. O grupo controle foi composto pelas pacientes atendidas rotineiramente no ambulatório de nutrição onde a pesquisa foi realizada, as quais autorizaram o uso de seus dados coletados nas consultas para pesquisa com fins comparativos.

Foram incluídas no estudo mulheres entre 20 e 59 anos com Índice de Massa Corporal (IMC) ≥ 25 kg/m2 e circunferência abdominal (CA) ≥ 88 cm. Foram excluídas da pesquisa mulheres que estivessem realizando dieta para perda de peso nos três meses anteriores ao início do estudo; pacientes que realizaram cirurgia bariátrica; e mulheres que, durante o período de estudo, tiveram alguma prescrição medicamentosa modificada. Para o GC, foram recrutadas pacientes que atendessem aos mesmos critérios e tivessem comparecido em pelo menos três consultas, respeitando o tempo de três meses para coleta de dados semelhante ao GE.

No GE, o primeiro e o último encontro foram momentos individuais para obtenção dos dados iniciais e finais referentes à avaliação nutricional (aferição do peso, estatura, CA e ­cálculo do IMC), aferição da pressão arterial (PA) e realização dos exames bioquímicos (glicemia de jejum e lipidograma completo).

A intervenção realizada nesse grupo foi baseada no Programa Pense Magro (Beck, 2009), que adota o modelo cognitivo-comportamental como pressuposto teórico e originalmente tem duração de seis semanas, nas quais são propostas 42 atividades diárias. No entanto, considerando a inviabilidade de se realizar encontros diários no contexto de saúde pública, o programa proposto nesta pesquisa foi estruturado em 13 encontros semanais, em que todos os princípios do programa original foram contemplados, além de incluir outras questões de ordem sociocultural de relevância em programas de educação nutricional, adaptadas para a realidade local.

Os encontros tinham duração aproximada de 60 minutos. A pesquisadora iniciava as sessões discutindo as dificuldades e vantagens percebidas das atividades propostas na semana anterior e, em seguida, abordava os temas previstos para o encontro de forma expositiva, com auxílio de painéis elaborados em cartolinas. Após a exposição oral, abria-se uma discussão com o grupo, para que todas se manifestassem acerca das dificuldades percebidas para incorporação do proposto e possíveis estratégias para enfrentá-las. Após essa discussão, as tarefas impressas do programa “Pense Magro” previstas para o dia eram entregues, para que as participantes as preenchessem. As atividades realizadas em cada encontro são descritas de forma sucinta na Tabela 1:

Tabela 1

Descrição das Atividades Realizadas com o Grupo Experimental

Semana / Tema

Atividades realizadas

Anamnese inicial

Avaliação nutricional inicial individual

Integração do grupo

Dinâmica de apresentação dos membros do grupo; Avaliação dos conhecimentos sobre alimentação saudável; Apresentação dos principais pressupostos teóricos do Programa Pense Magro (Beck, 2009).

Aprendendo o que é alimentação saudável

Discussão sobre obesidade, comportamento alimentar e alimentação saudável; Exposição oral com o Guia Alimentar da População Brasileira (Brasil, 2005) e Pirâmide Alimentar (Phillipi, Latterza, Cruz e Ribeiro, 1999); Atividades*: “Registre as vantagens de emagrecer”, “Elogie-se”, “Sente-se para comer”. Lista de metas de mudanças no comportamento alimentar.

Preparando o ambiente para mudanças

Atividades*: “Alimente-se devagar e conscientemente”, “Organize o ambiente”, “Arrume tempo e energia”.

Estabelecendo metas

Entrevista com o grupo sobre as principais dificuldades comportamentais. Atividades*: “Escolha um plano de exercícios”, “Estabeleça metas realistas”, “Prepare-se para pesar”; Exposição: 10 passos para uma alimentação saudável.

Planejando a alimentação

Aferição do peso das participantes.

Preenchimento de um formulário para elaboração de um plano alimentar com lista de substituições feito pelas participantes.

Atividades*: “Planeje o dia de amanhã”; Elaboração do plano alimentar.

Superando a fome e os desejos por comida

Discussão sobre adesão; Entrevista com o grupo. Atividades*: “Diferencie fome e desejo incontrolável de comer”, “Pratique a tolerância à fome”, “Supere o desejo incontrolável por comida”.

Aprendendo a se autoavaliar

Dinâmica com registro alimentar das participantes.

Evitando os excessos

Atividades*: “Evite a alimentação não planejada”, “Acabe com os excessos alimentares” e “Modifique sua sensação de saciedade”.

Lidando com a decepção

Atividades*: “Diga paciência para decepção”, “Contrarie a síndrome da injustiça” e “Saiba lidar com o desânimo”.

Mantendo-se firme

Troca de receitas saudáveis entre as participantes. Atividades*: “Resista a quem insiste para você comer” e “Volte aos trilhos”.

Fechamento

Entrevista final de avaliação do programa.

Anamnese final

Encontro individual para avaliação nutricional final.

*Atividades do Programa Pense Magro (Beck, 2009).

A atual pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (Fepecs) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, que emitiu parecer favorável a sua execução, com o número de protocolo 570/11.

Para análise quantitativa dos dados, foi empregado o Teste t de Student para comparação das médias das medidas bioquímicas e antropométricas entre os grupos, no momento inicial do protocolo. Para a avaliação do efeito do programa proposto após o período de três meses e comparação com o grupo controle, foram testadas medidas longitudinais entre grupos e intergrupos, com o uso de modelos de efeitos mistos de análise de variância com medidas repetidas. Para efeito de análise, usou-se um nível de significância de 5%. Os dados foram analisados pelo aplicativo SAS 9.2. As entrevistas gravadas foram transcritas e analisadas qualitativamente com definição de unidades temáticas, conforme a metodologia proposta por Bardin (2010).

Resultados

Inscreveram-se no programa 51 mulheres; ao longo do desenvolvimento das atividades, 28 desistiram e 23 finalizaram a pesquisa, o que correspondeu a 45% do total inicial. No GC, das 50 mulheres elegíveis inicialmente para o estudo, apenas 16 continuaram o acompanhamento nutricional no período de três meses para comparação dos dados. Assim, este estudo contou com a participação total de 39 mulheres.

A Tabela 2 apresenta as médias das variáveis que compõem o perfil antropométrico e metabólico inicial das participantes do GC e do GE.

Tabela 2

Perfil Antropométrico e Bioquímico Inicial das Participantes

Variável

Grupo

p-valor*

Controle

Experimental

Média

Desvio padrão

Média

Desvio padrão

Peso

76,53

14,68

82,43

15,00

0,2299

CA

101,28

8,23

105,57

12,77

0,2455

IMC

32,13

5,43

31,60

3,83

0,7196

Glicose em jejum

92,69

17,51

99,17

22,67

0,3678

CT

195,19

34,83

184,43

48,47

0,4521

TG

133,06

34,60

181,39

126,97

0,3460

LDL-C

125,88

30,93

106,70

34,89

0,0854

HDL-C

41,63

8,25

41,35

8,36

0,9190

PAS

135,56

29,01

126,17

19,64

0,3099

PAD

88,88

11,19

82,04

13,09

0,0978

Nota. CA = circunferência abdominal. CT= Colesterol Total. TG= triglicerídeos. LDL-C = Low Density Lipoprotein (lipoproteína de baixa densidade). HDL = Hight Density Lipoprotein (lipoproteína de alta densidade). PAS = pressão arterial sistólica. PAD = pressão arterial diastólica. *Teste t de Student.

Com o intuito de avaliar a efetividade do programa proposto, os dados do GE e GC, antes e depois das intervenções, foram comparados. A Tabela 3 apresenta esses resultados.

Tabela 3

Comparações Inter e Intragrupos para Medidas Antropométricas e Bioquímicas

Grupo

Entre Grupos

Controle

Experimental

Variável

Média

(Desvio Padrão)

p-valor#

Média

(Desvio Padrão)

p-valor#

Diferença

entre grupos

p-valor§

Peso

Antes

76,53 (14,68)

82,43 (15,00)

Depois

75,63 (15,70)

80,40 (14,31)

Diferença

-0,90 (2,52)

0,1675

-2,03 (2,58)

0,0005

1,13 (2,59)

0,1827

IMC

Antes

32,13 (5,43)

31,60 (3,83)

Depois

31,76 (5,91)

30,90 (3,74)

Diferença

-0,37 (0,96)

0,1449

-0,70 (1,03)

0,0020

0,325 (1,01)

0,3280

CA

Antes

101,28 (8,23)

105,57 (12,77)

Depois

100,13 (10,34)

102,09 (11,59)

Diferença

-1,15 (2,90)

0,2167

-3,48 (4,13)

< 0,0001

2,32 (3,81)

0,0603

Glicose (Log)

Antes

4,51 (0,18)

4,58 (0,20)

Depois

4,52 (0,16)

4,55 (0,22)

Diferença

0,01 (0,07)

0,8009

-0,03 (0,12)

0,1771

0,04 (0,11)

0,2887

Colesterol Total

Antes

195,19 (34,83)

184,43 (48,47)

Depois

196,63 (40,16)

185,48 (44,83)

Diferença

1,44 (21,51)

0,8325

1,04 (30,17)

0,8539

0,39 (26,64)

0,9645

HDL-C

Antes

41,63 (8,25)

41,35 (8,36)

Depois

42,25 (7,03)

40,91 (7,92)

Diferença

0,62 (2,25)

0,5643

-0,43 (5,26)

0,6304

1,09 (4,27)

0,4536

LDL-C

Antes

125,88 (30,93)

106,70 (34,89)

Depois

127,38 (30,67)

109,78 (39,43)

Diferença

1,50 (15,73)

0,7672

3,09 (22,62)

0,4664

-1,59 (19,87)

0,8099

TG (Log)

Antes

4,86 (0,28)

4,99 (0,68)

Depois

4,82 (0,26)

4,93 (0,65)

Diferença

-0,03 (0,15)

0,6580

-0,06 (0,34)

0,3100

0,03 (0,28)

0,7533

Pressão Sistólica (Log)

Antes

4,89 (0,18)

4,83 (0,15)

Depois

4,92 (0,18)

4,82 (0,14)

Diferença

0,03 (0,07)

0,1098

0,00 (0,07)

0,8670

0,03 (0,07)

0,1800

Pressão Diastólica

Antes

88,88 (11,19)

82,04 (13,09)

Depois

91,31 (11,86)

81,61 (11,84)

Diferença

2,44 (7,84)

0,1170

-0,43 (4,48)

0,7334

2,87 (6,16)

0,1548

Valores de p ≤ 0,05 estão em negrito. # Teste t de Student. § Análise de variância com medidas repetidas.

Os relatos, gravados nas entrevistas do quinto e do sétimo encontro, além da entrevista de avaliação final do programa, foram agrupados em dez categorias, que possibilitaram identificar fatores que facilitam e fatores que dificultam a perda de peso e as mudanças de hábitos alimentares, bem como a avaliação do programa pelas participantes, conforme exposto na Tabela 4:

Tabela 4

Fatores que Facilitam e Fatores que Dificultam a Perda de Peso e as Mudanças de Hábitos Alimentares

Categoria

Descrição da Categoria

Fatores que facilitam a perda de peso e as mudanças de hábitos alimentares

Recursos cognitivos e comportamentos para lidar com as dificuldades do processo de emagrecimento

Descrição de estratégias que auxiliam na seleção de alimentos e na redução da fome ou na exposição a alimentos calóricos. Inclui planejamento de metas realistas, mudanças graduais, conscientização, importância da atividade física e permissão para comer em situações especiais. Aborda facilitadores da dieta: hábitos preexistentes, obtenção de apoio familiar e exemplos externos como fonte de inspiração.

Motivadores do emagrecimento

Inclui relatos de fatores que agem como motivadores para perda de peso e mudança de hábitos, como: a saúde, a estética, o bem-estar, o elogio dos outros, automotivação e a qualidade de vida.

Apoio social

Inclui relatos acerca dos benefícios do grupo quanto ao compromisso, motivação e apoio advindos dos outros participantes, da pesquisadora e do apoio familiar.

Educação nutricional

Categoria que inclui a importância do espaço para tirar dúvidas sobre alimentação e obter esclarecimentos da pesquisadora.

Fatores que dificultam a perda de peso e as mudanças de hábitos alimentares

Dificuldades do processo de emagrecimento

Aborda as dificuldades percebidas no processo de emagrecimento, como: lidar com as “tentações” alimentares e manter a dieta em situações não rotineiras e compromissos sociais, tempo requerido para o planejamento e preparo das refeições, falta de apoio social e questões financeiras. Inclui relatos relacionados à acomodação com o excesso de peso, hábitos preexistentes não saudáveis, dificuldades relacionadas à questão qualiquantitativa do plano alimentar e fracionamento da dieta.

Fatores de ordem emocional que dificultam o emagrecimento

Engloba relatos relacionados à influência da autoestima, ansiedade, depressão e nervosismo no comportamento alimentar. Abrange também questões como o medo de se pesar e comportamentos compulsivos.

Proibição, crenças e identidade alimentar

Inclui relatos relacionados à proibição alimentar, “pecados” na alimentação e identidade cultural.

Consumo alimentar e saúde

Inclui verbalizações a respeito da fome e da oscilação na quantidade consumida de alimentos, bem como considerações acerca do consumo de gorduras, refrigerantes e medicamentos para o emagrecimento.

Avaliação do Programa pelas Participantes

Mudanças realizadas

Inclui mudanças realizadas a partir de questões discutidas no programa, bem como o sucesso em mudanças relacionadas ao aumento da percepção de saciedade e ao comportamento alimentar em compromissos sociais e na rotina.

Características do programa

Inclui considerações relacionadas à frequência e aos dias dos encontros, à duração e ao local do programa e sugestões para o aprimoramento deste.

Na perspectiva das participantes, a realização de dietas não radicais, em que se pode comer de tudo em quantidades moderadas, facilita a adesão ao planejamento alimentar, uma vez que consideram importante se permitir comer em situações especiais para se sentir bem e continuar o processo de mudanças. Tais constatações podem ser exemplificadas no seguinte trecho:

É, que não precisa ser tão radical pra conseguir chegar onde você quer, você pode chegar onde você quer reduzindo, e não cortando coisas. A dieta radical é que faz com que você realmente desista, você não consegue fazer! (A. D. S., 36 anos).

Adicionalmente, as participantes consideraram fatores como o estabelecimento de metas realistas, perda de peso gradual e mudanças graduais e permanentes como facilitadores na realização de mudanças, conforme exemplificado a seguir:

Não adianta vir com meta não sei das quanta, totalmente fora da nossa realidade, que faz a gente perder muito peso, mas que depois você não dá conta de continuar, então é uma mudança realmente de atitude, de hábito, tem que ser rotina, conscientizar bem que essa mudança é devagar (G. C. S., 47 anos).

Outro ponto considerado como fator facilitador para mudanças diz respeito ao suporte social de colegas de trabalho, bem como o apoio recebido no grupo e o compromisso com seus membros e a pesquisadora, como ilustra o exemplo a seguir:

[...] porque, se você for pensar, todo mundo teve algum dia que teve algum probleminha e que era difícil vir e tal, mas se você tem outros do seu grupo do trabalho que estejam envolvidos, vai ter sempre alguém estimulando [...] termina que uma vai fortalecendo a outra [...] (M. R. M., 51 anos).

No que diz respeito aos fatores que as participantes consideraram difíceis de mudar, destacam-se as questões qualitativas e quantitativas da dieta, a rotina alimentar, os compromissos sociais e as “tentações” alimentares. Um ponto de destaque em relação aos problemas do processo de emagrecimento diz respeito à dificuldade de manter a dieta em situações não rotineiras e compromissos sociais, quando os outros insistem para comer, como mostram os exemplos:

Os doces e os lugares que a gente vai, nunca vi tanta festa em um mês só! Igual esse agora... É casamento do meu primo... Nossa, aquele bolinho de chocolate mata qualquer um... é mais essa questão de comer fora, né! Porque você tá lá, vê todo mundo comendo, chega no final tem que comer um pouquinho (A. P. L., 29 anos).

A partir da análise de conteúdo sobre a avaliação do programa pelas participantes, foi possível verificar que o programa auxiliou em mudanças importantes na alimentação, como a adaptação com a escolha alimentar e a dieta, a redução do consumo de alimentos não saudáveis concomitante ao aumento do consumo de alimentos saudáveis e a volta para dieta após algum excesso alimentar.

Na avaliação final, as participantes não contribuíram com propostas novas, ao serem solicitadas a dar sugestões para o aprimoramento do programa. A média de ausências no programa foi de dois encontros, com o máximo de quatro faltas (que corresponde a 30,7%).

Discussão

No presente estudo, após três meses de intervenção, o GE apresentou uma redução do peso de 2,03 kg; no IMC, de 0,70 kg/m2; e na CA, de 3,48 cm. No estudo de Christensen et al. (2011), que também teve duração de três meses, a perda de peso média constatada no GE foi de 3,6 kg, e a redução da CA foi de 4,2 cm. Em outras pesquisas (Appel et al., 2011; Wadden et al., 2011) com duração maior, de 24 meses, foi possível averiguar uma redução ponderal, que variou de 2,9 kg a 5,1 kg nos grupos experimentais. Ao analisar ensaios com metodologias semelhantes, percebe-se que as investigações nessa área são heterogêneas, o que dificulta a comparação dos resultados, no entanto é possível notar que a perda ponderal é maior no início dos programas e, em geral, apresenta um ápice aos seis meses de intervenção com estabilização ou recuperação de peso posterior (Fjeldsoe, Neuhaus, Winkler, & Eakin, 2011).

Em outra revisão sistemática, Barrett, Begg, O’Halloran e Kingsley (2018) realizaram metanálise com dez ensaios clínicos randomizados, com intuito de investigar as mudanças nos mediadores do estilo de vida promovidas pela terapia comportamental cognitiva integrada à entrevista motivacional em adultos com sobrepeso e obesidade. Eles concluíram que essas estratégias combinadas levaram a melhorias significativas na atividade física, porém com evidências insuficientes para medidas de resultados relacionados a mudanças na dieta. Os autores recomendam que tais estudos incluam um acompanhamento com duração ­suficiente para determinar os efeitos em longo prazo das intervenções.

Assim, o tempo de três meses proposto na presente pesquisa pode ter sido curto para gerar mudanças significativas na antropometria, sugerindo que resultados mais expressivos na comparação entre os grupos poderiam ocorrer, caso o tempo de duração da pesquisa fosse mais longo. Outra limitação da presente pesquisa foi falta de um seguimento após o término da coleta de dados, uma vez que o tempo curto de acompanhamento pode ter sido um fator relevante para obtenção de resultados objetivos pouco expressivos, considerando que as mudanças de hábito em saúde podem ocorrer de forma mais lenta e gradativa.

Em relação aos exames bioquímicos e à PA, foi verificado que esses dados não apresentaram diferenças estatisticamente significativas, evidenciando que o programa proposto não causou uma alteração significativa nesses parâmetros, quando comparado ao GC ao final do acompanhamento.

Uma possível explicação para esses resultados pode estar relacionada ao uso da lista de substituições de forma inadequada. Adicionalmente, vale destacar que parte da amostra estudada utilizava medicação para controle da glicose, lipídios séricos e/ou PA e, como a adesão à assiduidade do uso da medicação não foi objeto de estudo nesta pesquisa, esses dados podem ter sido influenciados por esse aspecto.

No que diz respeito ao impacto das intervenções propostas na obesidade, Ewart-Pierce, Ruiz e Gittelsohn (2016) afirmam que delineamentos com estratégias com multiníveis e multicomponentes para melhorar as condições de saúde mostram resultados promissores, principalmente quando são capazes de integrar componentes nos níveis político, comunitário e interpessoal. Nesse aspecto, cabe ressaltar que a presente pesquisa, apesar de abordar a obesidade em sua dimensão biopsicossocial, não trabalhou com estratégias no âmbito comunitário e político, o que pode ter afetado nos resultados ainda pouco expressivos quando considerada a dimensão maior do problema.

No entanto, apesar dos parâmetros antropométricos, bioquímicos e metabólicos não terem apresentado diferenças significativas em relação ao GC neste estudo, a análise qualitativa das entrevistas evidenciou mudanças expressivas em aspectos comportamentais e nos hábitos alimentares. Nesse aspecto, a literatura demonstra que pequenas modificações do padrão alimentar, mesmo que não sejam suficientes para alterar o estado de saúde em curto prazo, podem ser alcançadas em programas de educação nutricional e provocar mudanças mais relevantes em longo prazo (Torres, Franco, Stradioto, Hortale, & Schall, 2009).

Os fatores facilitadores do emagrecimento citados pelas participantes se encontram em consonância com a literatura, que afirma que os programas de emagrecimento devem conter elementos psicoeducacionais, como: foco em comportamentos-chave para perda de peso (como ingestão calórica reduzida e aumento na atividade física); ferramentas para o automonitoramento; utilização de perguntas abertas; traçar metas realistas; encontrar estratégias pessoais para aliviar a fome; manter continuidade dos comportamentos saudáveis e lidar com os contextos sociais que envolvam alimentação inadequada; uso de estratégias de solução de problemas; apoio social; identificação de gatilhos para alimentação excessiva; e estratégias de prevenção de recaídas e manutenção do peso (Christensen et al., 2011; Appel et al., 2011; Wadden et al., 2011).

No que diz respeito às dificuldades em emagrecer, o estudo evidenciou que a modificação de hábitos alimentares se constitui um processo complexo, uma vez que não está unicamente associada à vontade intrínseca de mudança e pode envolver sentimentos relacionados à falta de controle. Também Hofmann, Rauch e Gawronski (2007) afirmam que inúmeros fatores podem minar a capacidade de autorregulação do comportamento alimentar, como a pressão dos amigos e a vontade de experimentar um alimento específico. Adicionalmente, Bernardi, Cichelero e Vitolo (2005) afirmam que as restrições e autoimposições das pessoas que fazem dieta parecem ter um efeito rebote, resultando em compulsão alimentar, a qual pode associar-se a consequências psicológicas, como a perda da autoestima e mudanças de humor.

De forma similar, Viana (2002) afirma que é importante que programas de redução de peso enfatizem a moderação alimentar e incluam a ingestão de pequenas quantidades de alimentos considerados “proibidos” como forma de limitar o desejo por esses produtos e controlar a angústia de ter violado a dieta ao ingerir alguma guloseima.

No que diz respeito à avaliação da intervenção, o formato do programa foi considerado adequado na perspectiva das participantes. A literatura acerca do tema “Educação em Saúde” é pouco específica em relação à recomendação de duração e frequência das intervenções. Fjeldsoe et al. (2011), ao realizar uma revisão sistemática para avaliar quais as características de intervenções que tiveram bons resultados na manutenção do peso em longo prazo, concluíram que os melhores desfechos ocorreram em programas com, pelo menos, seis meses de duração, com uma média de pelo menos 13 contatos presenciais, uso de mais de seis estratégias de intervenção, especialmente relacionadas com instruções de como atingir a mudança de comportamento, solicitação sobre as principais intenções dos participantes, identificação das principais barreiras percebidas e oportunidades para comparações sociais.

Nesse aspecto, a proposta do formato grupal do programa foi um ponto considerado como fator positivo e facilitador na perspectiva das participantes. Wilfley, Hayes, Balantekin, Van Buren e Epstein (2018) realizaram uma revisão de literatura sobre as intervenções comportamentais para perda de peso na obesidade e concluíram que esse tratamento realizado no formato de grupo produz resultados semelhantes ou superiores em comparação aos tratamentos individuais. Os autores comentam que o formato de grupo fornece fatores terapêuticos únicos, como universalidade, altruísmo, comportamento imitativo e aprendizado interpessoal, além de ter um menor custo.

Adicionalmente, Silveira e Ribeiro (2005) afirmam que o grupo consiste em um espaço solidário que permite o acesso à informação, a troca de experiências, o intercâmbio de motivações, o apoio mútuo para pacientes interagirem e superarem dificuldades no processo de tratamento. A comunicação efetiva com os membros da equipe de saúde também é um aspecto relevante no que diz respeito à adesão, uma vez que fatores como a relação profissional de saúde-paciente e o suporte social da equipe de saúde e dos membros de sua rede social são importantes para a adesão às recomendações do tratamento (Queiroz & Araujo, 2009).

A presente pesquisa apresentou um alto número de participantes que abandonaram o acompanhamento (55% no GE e 63% no GC), evidenciando uma dificuldade de adesão desse grupo na manutenção do acompanhamento nutricional. A falta de averiguação dos motivos da desistência de quem abandonou o programa pode ser considerada como uma limitação do presente estudo e sugere-se que investigações futuras analisem esse aspecto a fim de se discutirem estratégias para evitar o abandono em programas de intervenção em saúde.

Conclusões

A intervenção nutricional em grupo pautada no modelo cognitivo-comportamental, com duração de três meses, proposta na presente pesquisa, não apresentou diferenças significativas quando comparada ao GC, nas variáveis objetivas (antropometria, exames bioquímicos e pressão arterial). No entanto a análise qualitativa das entrevistas realizadas nos encontros mostrou que o programa auxiliou em mudanças na alimentação no aspecto qualitativo e quantitativo, bem como atingiu seu objetivo de conscientizar as participantes da importância de mudanças mais amplas no estilo de vida para perda de peso. Esses resultados ressaltam a necessidade de enfatizar a dimensão subjetiva do cuidado em saúde na formação dos profissionais envolvidos no tratamento da obesidade. Em longo prazo, tal recurso pode ser relevante para manutenção da saúde física e psíquica, ainda que a obesidade demande um acompanhamento contínuo de forma a evitar a cronificação do quadro e os custos decorrentes de suas complicações.

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Recebido em: 24/07/2019

Última Revisão: 05/12/2019

Aceite final: 21/01/2020

Sobre as autoras:

Andreia Neves Duarte: Doutoranda em Psicologia Clínica e Cultura na Universidade de Brasília (UnB). Mestra em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde. E-mail: andreiaduarte.nut@gmail.com, Orcid: http://orcid.org/0000-0002-4770-2435

Elizabeth Queiroz: Doutora em Psicologia. Professora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. E-mail: equeirozz@gmail.com Orcid: http://orcid.org/0000-0002-6360-6670


1 Endereço de contato: SQN 212, bl. H, apto. 607, Asa Norte, Brasília-DF. CEP: 70864-080. E-mail: andreiaduarte.nut@gmail.com

doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.vi.1058