Sentidos Atribuídos à Satisfação Sexual por Trabalhadoras do Sexo

Meanings Attributed to Sexual Satisfaction for Female sex Workers

Sentidos Atribuidos a la Satisfacción Sexual por Trabajadoras Sexuales

Pablo Luiz Santos Couto1

Samantha Souza da Costa Pereira

Centro Universitário FG (UNIFG)

Carle Porcino

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Dejeane de Oliveira Silva

Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC)

Alba Benemérita Alves Vilela

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)

Resumo

Objetivou-se compreender os sentidos atribuídos à satisfação sexual por mulheres que vivenciam o trabalho sexual. Trata-se de um estudo qualitativo, fundamentado nas abordagens fenomenológicas de Sartre e Heidegger. Foi realizado com 30 trabalhadoras sexuais da região do Alto Sertão Produtivo Baiano. Evidenciou-se que as mulheres têm os sentidos sobre satisfação sexual estruturados na dimensão financeira em interface à autoestima e ao ato sexual, explicadas a partir das experiências aprendidas, enquanto são/estão inseridas no serviço sexual. Esses sentidos revelam que o prazer em conexão ao dinheiro é a sobrevivência e subsistência. Já o orgasmo propriamente dito remete à autoestima e às emoções sentidas por quem nutre afeto. Essas nuances mostram que o serviço sexual é, além de ofício, o contexto que permite a elas ser/estar em um espaço com possibilidades de vivências multifacetadas, como a liberdade sexual, em uma temporalidade que é reflexo de subjetividades que extrapolam o determinismo natural.

Palavras-chave: trabalhadoras sexuais, sexualidade, saúde sexual, subjetividade, fenomenologia

Abstract

The objective was to understand the meanings attributed to sexual satisfaction by women who experience sex work. Qualitative study, based on the phenomenological approaches of Sartre and Heidegger, with 30 sex workers from the Alto Sertão Produtivo Baiano region. It was evident that women have their senses about sexual satisfaction structured in the financial dimension in interface with self-esteem and the sexual act, explained from the experiences learned, while they are inserted in the sexual service. These senses reveal that pleasure in connection with money is survival and subsistence. The orgasm itself refers to the self-esteem and emotions felt by those who have affection. These nuances show that sexual service is more than just a job, the context that allows them to be in a space with possibilities for multifaceted experiences, such as sexual freedom, in a temporality that is a reflection of subjectivities that go beyond natural determinism.

Keywords: female sex workers, sexuality, sexual health, subjectivity, phenomenology

Resumen

El objetivo fue comprender los sentidos atribuidos a la satisfacción sexual por las mujeres que experimentan el trabajo sexual. Se trata de un estudio cualitativo, basado en la fenomenología de Sartre y Heidegger, con 30 trabajadoras sexuales de la región del Alto Sertão Produtivo Baiano. Las mujeres tienen sus sentidos sobre la satisfacción sexual estructuradas en la dimensión financiera en interfaz con la autoestima y el acto sexual, explicadas a partir de las experiencias aprendidas, mientras son/están insertadas en el servicio sexual. Estos sentidos revelan que el placer en relación con el dinero es la supervivencia y la subsistencia. El orgasmo se refiere a la autoestima y las emociones que sienten los que tienen afecto. Estos matices muestran que el servicio sexual es más que un simple trabajo, es el contexto que las permite ser/estar en un espacio con posibilidades para experiencias multifacéticas, como la libertad sexual, en una temporalidad que es un reflejo de subjetividades que van más allá del determinismo natural.

Palabras clave: trabajadoras sexuales; sexualidad; salud sexual; subjetividad; fenomenología

Introdução

A prostituição é uma prática marginalizada pela sociedade, pois, além de envolver a sexualidade e as práticas sexuais humanas em troca de dinheiro, é permeada por estigmas sociais construídos sobre a profissão, praticada por mulheres que vivenciam em seus corpos uma luta pela liberdade e sobrevivência (Pasini, 2015; Couto et al., 2020).

Tradicionalmente, o papel social da mulher foi construído com base em pressupostos reducionistas e limitadores das suas potencialidades, restringindo sua atuação à ambiência doméstica, à maternidade, aos cuidados com os filhos e com o lar, o que ocorria sob a tutela do esposo, figura que monopolizava o controle da estrutura familiar, amparando-se no sistema patriarcal, que lhe outorgava este privilégio (Hirata, 2014; Beauvoir, 2016). Deste modo, à mulher se concedia o espaço privado e subserviente do lar, enquanto, ao homem, pertenciam as esferas públicas de controle e de poder.

Ao reproduzir num contexto micro a dominação do homem sobre a mulher – dominação esta que se dá desde o âmbito social mais macro –, o matrimônio reverbera, em espaço íntimo, o papel servil e inferiorizado da figura feminina (Hirata, 2014; Foley, 2017). Neste sentido, segundo Beauvoir (2016), o casamento pode ser considerado dramático para a mulher, ao passo que a mutila, delega-lhe ocupações exaustivas e desprovidas de prazer, obrigando-a, assim, à repetição e à rotina.

A prática sexual no casamento se insere no contexto que ora se discute: sob a alegação, amplamente difundida pelos dogmas da religião cristã, de que, ao casar-se, a esposa não pode prescindir de satisfazer os desejos sexuais do marido; é ensinado à mulher que, no matrimônio, o sexo deve ser praticado sob o viés da abnegação, tendo como lastro o amor e a entrega incondicionais. Para tanto, em muitas circunstâncias, elementos como o desejo da mulher e as más condições da sua saúde sexual ou emocional não são levados em consideração (Hirata, 2014; Foucault, 2014).

As trabalhadoras sexuais rompem com o estigma social − ainda predominante nos dias atuais, não obstante as transformações que a sociedade tem vivenciado − de que a prática sexual deve atrelar-se, essencialmente, a uma relação afetiva preconcebida (Prada, 2018; França, 2017). Diferentemente daquilo que é ensinado às mulheres que contraem matrimônio, a expressão da sexualidade, pelas profissionais do sexo, dá-se numa conjuntura de financeirização, sendo seus corpos o instrumento utilizado com vistas à obtenção do lucro, mantendo largo distanciamento do desígnio da abnegação ou do afeto (Leite et al., 2015; Carter et al., 2018; Foucault, 2014).

O Brasil é marcado por intensas e históricas desigualdades sociais. As repercussões negativas – como marginalização social, injusta distribuição de renda, ausência de políticas públicas inclusivas, dentre outros aspectos – de um Estado que trata seus cidadãos e cidadãs de forma assimétrica e “inequânime” refletem, sobretudo, nas minorias sociais e nos estratos mais baixos da pirâmide social. Nessa conjuntura, encontram-se as trabalhadoras sexuais (Munhoz & Marta, 2014; França, 2017).

A escassez de políticas públicas inclusivas, bem como a ausência do Estado no suprimento das necessidades mais elementares dessas minorias, expõe as trabalhadoras sexuais a precárias condições socioeconômicas, que resultam dos seus níveis de escolaridade insuficientes e da sua parca qualificação profissional (Pasini, 2015; Leal et al., 2017).

Além disto, essas mulheres sofrem violências e são expostas a diversas situações de vulnerabilidade (Foley, 2017). Deste modo, diante das necessidades que são peculiares a qualquer ser humano e perante as dificuldades de inserção no mercado formal de trabalho, a prática da prostituição passa a ser concebida, por essas mulheres, sob a perspectiva de uma atividade laboral, que pode dar-lhes o sustento de que precisam para manterem-se a si mesmas e, por vezes, aos seus filhos e aos demais parentes que delas dependem (Prada, 2018). Entretanto, apesar de representar uma fonte de subsistência para a trabalhadora sexual, o seu ofício lhe impõe uma série de estigmas e barreiras sociais (Couto et al., 2020; Broqua & Deschamps, 2014).

Muitas delas, diante das necessidades impostas pela realidade no Brasil, apresentam baixa escolaridade, pouca qualificação, condições socioeconômicas desfavoráveis, condições precárias de moradia, situações de violência e outras condições de vulnerabilidades e, assim, veem na prostituição o meio para melhoria da qualidade de vida e a resolução desses problemas, sendo, simultaneamente, discriminadas e estigmatizadas (Munhoz & Marta, 2014; Leite et al., 2015). Observam-se problemas de ordem emocional e afetiva, o que favorece uma avaliação negativa da qualidade de vida (Carter et al., 2018). A satisfação sexual, no âmbito dessa área, em sua interface com a saúde, pode ser comprometida, pois o prazer nem sempre é alcançado, e o foco dessa satisfação é voltado à subsistência (Couto et al., 2020), podendo gerar conflitos subjetivos e interpessoais (Foucault, 2014).

As mulheres envolvidas com o trabalho sexual (termo técnico dado pelo Ministério do Trabalho e Emprego às prostitutas) ofertam um serviço de aluguel de seus corpos, o que possibilita autonomia e independência financeira, além da satisfação de necessidades pessoais e familiares (Munhoz & Marta, 2014). Em decorrência dos contextos sociais em que estão inseridas e da subjetividade que é produto do afeto e da cultura, as trabalhadoras do sexo podem ser enquadradas em um grupo com certo grau de vulnerabilidade, visto que os espaços em que circulam e trabalham são diversos, desde bares, bordéis, hotéis, praças, ruas e avenidas (Carter et al., 2018).

É constante na prática dos profissionais de saúde a dificuldade em reconhecer a sexualidade e a saúde sexual em todos os seus contextos como uma necessidade humana. Neste cenário, ganha destaque a abordagem da satisfação sexual, cujo desenvolvimento de propostas e pesquisas beneficiem a saúde sexual das mulheres de um modo geral e das trabalhadoras do sexo em particular, para além das prevenções das Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) (Villela & Monteiro, 2015; Couto et al., 2020). A satisfação sexual pode ser entendida sob um espectro multifacetado, conceituada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um indicador de saúde sexual no âmbito da qualidade de vida e dos direitos sexuais e reprodutivos, que abrange questões de ordem fisiológica (funcionamento sexual) e, também, subjetiva, sob a égide dos relacionamentos afetivos e a relação com fatores socioeconômicos e culturais (Foley, 2017).

Neste contexto, a Teoria Fenomenológica é importante para os estudos com populações vulneráveis, como as profissionais do sexo, cujas experiências vividas são construídas em contexto singulares e multifacetados, e os sentidos são percebidos a partir da compreensão de como esses temas subjetivos e íntimos são vivenciados no cotidiano e, para este estudo, na vivência do trabalho sexual (Heidegger, 2012; Souza et al., 2018). A pesquisa com a abordagem fenomenológica direciona para a compreensão do outro enquanto ser/estar-no-mundo, despertando para uma visão afetiva e efetiva sobre as experiências adquiridas pelo ser humano em suas vivências do seu dia a dia (Heidegger, 2012). Portanto, ao prezar por uma condução fenomenológica nas reflexões sobre os sentidos atribuídos pelas trabalhadoras sexuais à satisfação sexual, não será possível tangenciar interpretações moralizantes e naturalizantes sobre mulheres que vivenciam em seus corpos a essência da liberdade sexual, que fogem ao determinismo biológico e comportamental esperado para as mulheres nas sociedades patriarcais (Sartre, 2016).

Outrossim, as reflexões a serem construídas aqui poderão subsidiar os profissionais de saúde para a construção de um cuidado que se baseia em questões subjetivas oriundas das experiências vividas por mulheres (que têm sua subsistência no trabalho sexual) e sua interação no cotidiano das ruas, da família, das relações, dos afetos ou não, das necessidades e dos seus contextos. Justifica-se por apontar possibilidades de profissionais de saúde, de olhar para um grupo populacional estigmatizado socialmente e colocado em situação de vulnerabilidade pelo Estado, em uma região carente do país, o semiárido do nordeste brasileiro (Prada, 2018). Salienta-se que a saúde sexual não remete apenas às ISTs, mas é um direito que deve ser estimulado e entendido como um direito considerado básico à vida e à dignidade humana. Remete ao direito de a pessoa escolher se quer ou não ter relação sexual, a qual deve ser segura, e ao direito de viver e expressar livremente a sexualidade sem violência, discriminação coerção ou julgamentos, com total respeito ao corpo (Leite et al., 2015; Thng et al., 2018; Carter et al., 2018).

Diante disso, objetivou-se compreender os significados da satisfação sexual para mulheres que vivenciam o trabalho sexual, numa perspectiva fenomenológica com o experienciado e o vivido.

Método

Trata-se de um estudo qualitativo, fundamentado nas abordagens fenomenológicas de Sartre e Heidegger. Ressalta-se que, em estudo fenomenológico, não se detém em estabelecer as relações causais ou encontrar explicações; contudo, prima-se por descrever diretamente a experiência tal como ela é. Pesquisas pautadas na fenomenologia levam o pesquisador a se ater aos dados factíveis dos fenômenos, a partir do entendimento de que a existência deva preceder a essência (Heidegger, 2012; Sartre, 2015; Schran et al., 2019).

A abordagem fenomenológica sartriana considera o ser humano, nesse caso, a mulher no exercício do trabalho sexual, em sua situação ontológica, devido a sua liberdade vivenciada com o seu corpo e sua sexualidade. Para Sartre, deve-se considerar o vivido por meio dos detalhes de cada situação, como o contexto, os arredores, o lugar, o passado e todas as relações estabelecidas dentro de seu mundo (Sartre, 2015; 2016).

Por sua vez, a perspectiva fenomenológica heideggeriana possibilita a construção de sentidos amplos da interação do indivíduo com o mundo, ou seja, da mulher inserida no trabalho sexual e todo o seu universo do vivido (mãe, mulher, filha, avó, tia, amiga, ­esposa), por meio da sua própria essência (Heidegger, 2012; Castro & Ehrlich, 2016). Conforme Heidegger, a experiência concreta vivida do ser humano é Dasein, nesse caso, a existência do “ser-aí”, bem como as suas formas de expressão, os seus modos, as ideias, os seus significados e sentidos, estão concatenados no mundo com os demais indivíduos, fenômenos e coisas (o Dasein está nesse mundo, relaciona-se e convive com outros Dasein), tornando-o, assim, o ser/estar no mundo (Heidegger, 2012).

As participantes do estudo foram trabalhadoras sexuais da Microrregião de Guanambi, BA, sede do Alto Sertão Produtivo Baiano e que tem em sua região de abrangência 19 municípios, com pouco mais de 400.000 habitantes (Couto et al., 2020). Compuseram a amostra, não probabilística por conveniência, 30 mulheres que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos e estar desempenhando atos de prostituição no período da coleta. A técnica de snowball (bola de neve) constitui-se como artifício para acesso às participantes, visto que este é um grupo de invisibilidade social, com poucos registros quantitativos, quer seja em nível regional, quer seja em nível nacional, o que dificulta estimar a população (Vinuto, 2014). As Agentes Comunitárias de Saúde (ACS) foram quem fizeram os convites de modo prévio e ressaltaram o caráter voluntário e anônimo às mulheres para participação.

A aproximação com as participantes deu-se por intermédio dos profissionais do Centro de Testagem e Aconselhamento Regional do município-sede do Alto Sertão Produtivo. A coleta de dados ocorreu individualmente, entre os meses de abril de 2017 e junho de 2018, com aquelas que aceitaram os convites, em salas fechadas de duas Unidades Básicas das Estratégias de Saúde da Família, e de forma simultânea, pelos próprios pesquisadores, em locais próximos ao ambiente de trabalho dessas mulheres. Como algumas delas não puderam se deslocar até essas unidades, foram agendadas visitas, com autorização prévia do Centro de Testagem e Aconselhamento, para fins de coleta de informações nas residências ou nos locais de trabalho das participantes.

A produção dos dados ocorreu com a aplicação do roteiro elaborado pelos pesquisadores, que continha itens para a caracterização das participantes e duas questões abertas para guiar a entrevista em profundidade: “Fale-me o que você entente ser satisfação sexual”; “Fale-me como você vivencia a satisfação na vivência do trabalho sexual ou o prazer na prostituição”. As questões estruturadas para caracterização englobavam as variáveis idade, escolaridade, religião, satisfação com o trabalho e uso de preservativo e anticoncepcional. As entrevistas foram gravadas pelos recursos de um aparelho celular e tiveram duração média de 25 minutos. Com a entrevista fenomenológica, foi possível aprofundar (sem a interferência dos pesquisados) na subjetividade envolta do tema e as conexões estabelecidas entre orgasmo, satisfação sexual e o trabalho sexual, na esfera da sexualidade humana, enquanto um dispositivo íntimo e psicológico, que é a forma como as pessoas experenciam o prazer.

Os discursos produzidos pela entrevista foram organizados e transcritos na íntegra no software Microsoft Word 2013; em seguida, foram submetidos às análises interpretativas: progressiva-regressiva, que foi desenvolvida por Sartre, pois contribui para o pesquisador o entendimento de aspectos únicos, porém universais, na experiência vivida das pessoas, a partir de um movimento de vai e vem da narrativa elaborada da sua própria existência, assim como favorece a análise da liberdade ontológica do ser e a sua compreensão da condição de liberdade (Sartre, 2015; Castro & Ehrlich, 2016); e a existencial, possibilitada por Heidegger, a partir da compreensão do Dasein, ou seja, cuja preocupação é pensar tanto o ser e o seu sentido por meio das condições de possibilidade dos entes quanto a relação daquilo que é real no mundo do ser humano (contexto do trabalho sexual) – que é o ente – e o entender-se a si mesmo, a partir de sua existência e do vivido (a satisfação sexual experenciada na vivência da profissão) – que é o Dasein (Heidegger, 2012; Souza et al., 2018).

As duas propostas de análises permitiram a interpretação dos sentidos e significados construídos sobre a satisfação sexual, a partir da experiência de mulheres no vivido no cotidiano do trabalhado sexual. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ensino Superior de Guanambi, com protocolo de número 2.007.080, em 2017, respeitando todos os princípios que envolvem a pesquisa com seres humanos.

Resultados

Do total das participantes deste estudo, a maioria tinha idade entre 18 e 35 anos (78,2%); baixo nível de escolaridade (53,6%); declarou-se negra (59,4%), católica (55,1%); trabalhava há menos de 5 anos (68,1%); não estava satisfeita com a profissão (58%); usava preservativos nas relações sexuais (63,8%) e anticoncepcional (66,7%).

Alguns sentidos foram congruentes nas narrativas e apresentaram semelhanças e significados semânticos que possibilitaram a inferência de dimensões subjetivas para análise, as quais são regidas por três características da satisfação sexual: financeira, autoestima e ato sexual (Figura 1). Todas se convergem para a explicação de como o prazer é experenciado pelas mulheres, e a forma como é percebido e compreendido no aprendizado e no cotidiano do serviço sexual.

Figura 1

Modelo Explicativo Esquemático das Três Dimensões Expressadas como Sentidos para Satisfação Sexual − Guanambi, Bahia, Brasil (n = 30)

Tais dimensões, expressas e sentidas durante o aprendizado e o vivido da profissão do sexo, coadunam-se enquanto significados que revelam interfaces, com as experiências ­sexuais individuais, obtidas com os clientes ou com os companheiros.

Quando faço programa, é profissional, estou ali pelo dinheirinho que vou ganhar, não escolho o homem que está comigo. Em casa me divirto com meu namorado, porque com ele que é bom e ele sabe como me dar prazer. (Profissional do sexo 19).

Sexo aqui é para o sustento dos meus filhos, preciso pagar minhas contas, comprar roupas, comprar remédio para minha mãe, que tem pressão alta e diabete. Não sei se faria outra coisa, pois tenho pouco estudo e os patrões não pagam tão bem. (Profissional do sexo 12).

Eu não posso esperar até o fim do mês para ter dinheiro e um salário mínimo não pagam minhas contas. Tenho filho pra sustentar, nem sempre o pai dele manda dinheiro. Da última vez que ele adoeceu tive que pagar médico e remédio, se não fosse meu dinheiro, não sei o que teria acontecido. Eu até trabalhei em um restaurante, mas me sinto bem aqui. (Profissional do sexo 7).

Naquele momento, o do programa sabe, penso no dinheiro, no que eu quero para minha vida, meu prazer está no dinheiro que vou ganhar, e, quando não está legal, fecho os olhos e só penso nisso, no que eu posso ter. Orgasmo mesmo eu tenho com um cara que eu sou apaixonada, mas ele não quer me assumir ainda, pois ele trabalha viajando. (Profissional do sexo 9).

Portanto, os trechos dos discursos acima evidenciam os significados das unidades e dos códigos textuais mais presentes, dando sentidos ao conteúdo semântico elaborado pelas profissionais do sexo, existentes no contexto de vida de cada uma e no ser trabalhadora sexual, confirmando que o dinheiro, associado ao lucro obtido com o aluguel dos corpos, é um sentido atribuído ao prazer de ser/estar na vivência do trabalho sexual.

Apesar de a conjugalidade e o matrimônio serem algo não vivenciado por algumas delas, há uma mudança na forma como as trabalhadoras do sexo entendem a satisfação sexual alcançada com os companheiros fixos (por quem desenvolvem sentimentos e afetos): o prazer orgástico, algo não experienciado com os clientes, mas fonte de prazer e autoestima, é importante para as questões emocionais e de enfrentamento delas, enquanto Dasein, enquanto ser que está para além do trabalho com o sexo.

Além disso, a experiência vivida pelas participantes demonstra que a situação atual dessas mulheres, com uma condição sociodemográfica vulnerável, é de acúmulo de atividades (algumas trabalham fora para sustentar seus familiares, além de fazerem a manutenção do lar – dupla ou tripla jornada), de invisibilidade das instâncias sociais e do Estado, de marginalização e exclusão, com vida dupla para manter o anonimato da profissão e a impossibilidade de revelar a identidade para a sociedade. Por todas essas situações experenciadas no cotidiano do trabalho sexual, a satisfação sexual perde o sentido do orgasmo para algumas delas e ganha a conotação de nada, remetendo apenas ao ato sexual como objeto de troca pelo dinheiro. A unidade textual nada foi muito associada ao significado de satisfação sexual, nas narrativas apresentadas pelas participantes:

Quando eu penso em sexualidade, não penso em coisas boas, é sempre ruim. Já fui violentada por um tio meu, quando eu era mocinha, então quando qualquer homem encosta em mim, não sinto nada, daí prefiro pensar no dinheiro, porque, se não for isso, nem um homem toca em mim. (Profissional do sexo 3).

Sexo não é prazeroso; é um lixo. Eu só estou nessa pra conseguir dinheiro, transar é muito ruim, é necessidade mesmo, serviço. Na hora da transa, o homem só pensa nele. Mas é até bom, porque termina logo. (Profissional do sexo 10).

Eu tenho que dar a cara, a vida tem altos e baixos, eu não me entrego, tenho medo de me apaixonar, medo de ser agredida novamente, por isso, me preocupo em terminar logo. Desde que separei do meu marido, não vi outro caminho a não ser prostituir e, desde então, decidi que só faria sexo por dinheiro, e não por prazer. Decidi que só gozaria de novo quando alguém se apaixonasse por mim. Até hoje não me encantei por ninguém, homem é tudo igual, só pensa nele! (Profissional do sexo 21).

Seja como algo hegemônico para o grupo, seja como um sentido particular e individual para cada profissional do sexo, evidencia-se que a satisfação sexual está relacionada às situações que contribuem e interferem na vivência e nos enfrentamentos das adversidades impostas pelo trabalho sexual. A satisfação sexual, enquanto um indicador subjetivo individual de qualidade de vida e de saúde, adquire múltiplos significados à medida que cada mulher narra sua experiência, comprovando que o ser/estar nessa profissão revela o sentido que o prazer adquire para elas: para algumas, é o orgasmo alcançado com a prática sexual e envolto de sentimentos de afeto e emoções, caracterizando a dimensão da autoestima; para outras, não significa nada durante o ato sexual com o cliente, sendo considerado apenas uma prática de troca para obtenção de dinheiro, caracterizando as dimensões financeiras e do ato sexual.

Discussão

Os sentidos que as trabalhadoras sexuais atribuíram à satisfação sexual são reflexos do cotidiano da profissão, bem como dos aprendizados e das experiências adquiridas no contato com os clientes e de seu contexto de vida (Pasini, 2015), sendo fundamentados em três dimensões transversais, quais sejam, a financeira (dinheiro), a da autoestima e a do ato sexual.

O modelo explicativo apresenta que, para as participantes, a satisfação sexual, sob o aporte da fenomenologia, não se limita apenas ao ato sexual, mas inclui o financeiro e a autoestima (emoções). Desse modo, elas desvelam o significado mais amplo de satisfação sexual, como algo voltado à esfera subjetiva da saúde sexual e da sexualidade, e não apenas os fatores fisiológicos. Portanto, assim como em outros estudos realizados com grupos populacionais, a satisfação sexual enquanto sinônimo para o prazer (orgasmo) está sedimentada nos aspectos da prática sexual e do campo das emoções (Villela & Monteiro, 2015; Nascimento & Garcia, 2015; França, 2017).

Na fenomenologia heideggeriana, são elencadas características do latente e imediato, que são exteriorizados, a partir das experiências da existência humana. De maneira mais ampla, esses aspectos subjetivos mostram as significações construídas da totalidade do indivíduo no tempo, que compreende o ser como a linguagem, os gestos, os sentimentos e as relações estabelecidas com o seu contexto. Aponta-se, a partir disso, na compreensão vaga e mediana, a reflexão sobre os significados que a satisfação sexual adquire em interface à sexualidade, e foge a noção de prazer (orgasmo), na medida em que o trabalho sexual é vivenciado e incorporado ao vivido (Heidegger, 2012; Foucault, 2014; Pasini, 2015).

Nesse pressuposto, o Dasein, que designa o ser enquanto ente e possibilita entender a si mesmo enquanto ser que existe, volta-se à existência, e não ao corpo e à alma, já que ele (Dasein) é o compreender-se e o projetar-se que está sempre em construção, sendo o “poder-ser” sempre (Heidegger, 2012). Assim, as mulheres que vivenciam o cotidiano do trabalho sexual têm a sua existência enquanto uma prestadora de serviço, a qual obtém renda em troca do prazer masculino e cujo prazer sexual próprio não perpassa pelo ser trabalhadora, mas pelo ser mulher, com suas nuances e subjetividades atreladas à sexualidade, que vivencia sentimentos e afetos no espaço íntimo e restrito (Pasini, 2015; Prada, 2018).

A compreensão do aspecto psíquico, dos sentidos dados à sua própria existência, enquanto trabalhadora sexual, remete à temporalidade e é corroborada pelo método sartriano, visto que o tempo (passado, presente e futuro) possibilita uma movimentação constante de transformação do ser, o que favorece a constituição e obtenção de significados que as pessoas dão a algo, a partir do ato reflexivo-subjetivo; ou seja, para este estudo, a maneira como elas vivenciam e experenciam a sua sexualidade e todas as formas de prazer (ou não) no seu labor, sendo esse um reflexo da sua temporalidade originária (Sartre, 2015; Benevides & Boris, 2020).

Reitera-se que a sexualidade humana e, em seu contexto, a saúde sexual, têm sido um desafio para grupos associados a estigmas sociais e populações vulneráveis, o que oferece importância à compreensão deste fenômeno, ao levantamento de hipóteses às subjetividades das mulheres, como a sexualidade, e às construções de significados oriundos do vivido no trabalhado sexual (Foucault, 2014; Karamouzian et al., 2016; Cruz et al., 2016). O sentido, como o dinheiro e a vida financeira, é entendido como uma dimensão importante da satisfação sexual e apresenta-se com um significado ambíguo: real e subjetivo, a exemplo do que foi evidenciado em estudo desenvolvido com trabalhadoras sexuais francesas, ao mostrar a conotação que a vida financeira tem ao ser associada ao serviço com os clientes (Broqua & Deschamps, 2014).

O sentido é real, porque possibilita a subsistência e o acesso a bens e serviços, e subjetivo, porque tem associação ao prazer, que é vivenciado de forma dúbia em seu contexto: com os clientes (em que há a barganha da renda com o prazer do homem) e com os seus companheiros/parceiros fixos (há obtenção da autoestima do afeto, dos sentimentos e das emoções) (Villela & Monteiro, 2015; Broqua & Deschamps, 2014; Sartre, 2016; Castro & Erhlich, 2016; Cruz et al, 2016).

Nesse contexto de uma profissão (que ainda não é regulamentada), o Dasein explica que a satisfação sexual, apesar de ser um dispositivo psicológico, ganha a conotação de instrumento usado para o manejo pessoal das subjetividades e necessidades das mulheres, enquanto seres-no-mundo, cujo papel social possibilita a liberdade sexual e fantasias masculinas, a partir da remuneração pelo serviço prestado (Heidegger, 2012; Giacomello & Melo, 2019).

Em estudo feito com objetivo de entender o “ser prostituta”, foi apontado que estas profissionais associam de forma simbólica as práticas sexuais ao aspecto financeiro, visto que é uma maneira que encontraram para materializar as conquistas pessoais a partir da renda, caso isso favorecesse a melhoria das condições de vida de seus familiares e filhos (Silva et al., 2013). Deste modo, algumas gostam do que fazem, sentem-se bem com a prática da prostituição e não pensam em mudar de profissão, pois não veem outra opção como fonte de dinheiro e sobrevivência (Leite et al., 2015; Nascimento & Garcia, 2015). A literatura aponta que o poder de aquisição de bens materiais, por meio de recursos financeiros, a autonomia e melhor qualidade de vida para si e sua família são o que as motivam a se prostituir; quanto ao prazer sexual, este será alcançado com seus parceiros (Broqua & Deschamps, 2014; França, 2017; Foley, 2017).

Heidegger pondera que o Dasein, ao se deparar com um outro ente, que se comporta como ser-com, não deve com ele se ocupar, mas sim se preocupar (Heidegger, 2012; Amorim et al., 2018). No presente estudo, algumas profissionais do sexo demonstram não se preocupar consigo ou seu orgasmo/prazer sexual, pois o seu serviço ofertado ao cliente é forma de se preocupar com aqueles que dependem delas (pai, mãe, filho, companheiros), uma vez que os percebem como seres que demandam cuidados e atenção, os quais devem ir além do físico, reconhecendo suas necessidades particulares, como alimentos, vestimentas, acesso aos insumos e serviços de saúde, diversão, dentre outros (Nascimento & Garcia, 2015; Cruz et al., 2016; Giacomello & Melo, 2019).

A satisfação sexual vivida no contexto do labor, seja em função do lucro, seja em função do prazer, apreendida na memória individual e coletiva das trabalhadoras sexuais, está associada com o ato sexual e converge com o que foi relatado por trabalhadoras sexuais da zona boêmia localizada no centro de Belo Horizonte (França, 2017). Entretanto, mesmo que o orgasmo em si seja raro de se obter na prática com os clientes, outros estudos sugerem que ele pode ocorrer quando há um vínculo maior entre prostitutas e parceiros fixos ou entre clientes por quem desenvolvam uma relação mais afetiva (Silva et al., 2013; Foucault, 2014; Foley, 2017).

Contudo, em outra pesquisa, desenvolvida com trabalhadoras sexuais de Fortaleza, no Ceará, cujo intuito foi compreender as principais necessidades no cotidiano de vida delas, notou-se, nos discursos da maioria, ausência do prazer nas relações sexuais quando indagadas sobre a expressão da sexualidade, por terem dificuldades de desenvolverem relações de afeto com os homens, sejam clientes ou parceiros, possivelmente em decorrência de acontecimentos sempre presentes ao longo da vida (Reis et al., 2014). Desta forma, as experiências atemporais, no passado e no presente, estavam tomadas por emoções que remetiam à baixa autoestima e a sentimentos negativos, revelados enquanto atribuíam significados à satisfação sexual e avaliavam a qualidade de vida (Nascimento & Garcia, 2015; Prada, 2018).

Na perspectiva de Sartre, o tempo − neste caso, o passado − não determina ações das pessoas no futuro; contudo, reflete em decisões do presente e, portanto, não pode ser modificado, mas pode ser ressignificado, por meio de atitudes, comportamentos, ações e outros modos de enfrentamento. Nesse sentido, as falas das depoentes expressam, dentro do aspecto regressivo sartriano, que as nuances da satisfação sexual para as trabalhadoras do sexo são permeadas tanto pelo aprendizado quanto pelas necessidades e experiências vividas no âmbito do serviço sexual (Sartre, 2015; Reis et al., 2014; Pasini, 2015).

Considera-se que a realidade da mulher que está inserida no trabalho com o sexo não pode fazer aparecer o ser mulher como uma totalidade organizada no mundo, visto que ela não o transcendeu (Beauvoir, 2016; Sartre, 2016). Por isso, cada uma dessas mulheres profissionais do sexo, envolta de suas particularidades e subjetividades, encontra-se sempre separada do que ela representa na sociedade e em seu contexto (responsável pela manutenção e subsistência) e do seu papel construído pelo patriarcalismo (de subserviência e submissão ao prazer masculino) (Beauvoir, 2016; Benevides & Boris, 2020).

Heidegger (2012) considera que o Dasein – conceito utilizado para expressar o ser enquanto ente – é um ente inacabado, edificando-se, fazendo-se, fornecendo um sentido de compreensão com a temporalidade. O Dasein é, portanto, um ainda-não, mas constitui-se, em contrapartida, num constante poder-ser, que se desenha numa existência em construção. O estabelecimento de uma relação de compreensão do ser-com-outro far-se-á possível tão somente se esta for intermediada pela empatia, pela aproximação do outro e do contexto em que ele se insere (Heidegger, 2012).

Desse modo, apreende-se que a compreensão acerca do ofício das trabalhadoras sexuais – percebidas, aqui, enquanto ente, o ser-aí postulado por Heidegger (2012), cuja existência se faz na caminhada presente, sempre associada à sua essência e às idas e voltas ao tempo e espaço vivido (Sartre, 2015) – somente será possível a partir de uma postura empática, livre de juízo de valor, não apenas do “ser-aí” (Amorim et al., 2018) que representaria essas profissionais, mas da conjuntura difícil que as cerca: a exiguidade de recursos financeiros, a baixa escolaridade e qualificação profissional, a falta de proteção do Estado, conflitando com a necessidade urgente de provisão das necessidades dos seus filhos e familiares.

A construção do ser/estar durante o vivido é um projeto individual e permanente, que ocorre num movimento de ir e vir, na possibilidade de refutar o determinismo biológico, sendo mais demandado e exigido para mulheres que trabalham com a atividade sexual. Isso se deve pelo fato de haver uma oscilação dos papéis de gênero imputados histórico-culturalmente à mulher, do que é ser trabalhadora sexual que ora experimenta o prazer e valoriza a si, ora centra-se no seu serviço e na sua remuneração para atender às demandas elementares próprias e do seus parentes, fundamentais para a sobrevivência na vida em sociedade. Os enfrentamentos fundamentais para a sobrevivência decorrem tanto das espessuras das coisas que não são (como as situações e problemas cotidianos) como da falta de definição (pelo menos para o estado e para a sociedade patriarcal), que revela as trabalhadoras sexuais como um movimento de vir a ser, num projeto de ser mulher, que refuta toda possibilidade de um determinismo natural (Hirata, 2014; Foucault, 2014; Beauvoir, 2016).

Outrossim, as limitações deste estudo podem residir no fato de que a abordagem fenomenológica apresenta o ser de maneira não objetiva, numa perspectiva que demanda uma compreensão flexível, sugerindo uma apreensão que não se pode exaurir. Sendo assim, podem-se apresentar equívocos interpretativos no que tange ao objeto em questão. Além disso, a diversidade de perfis de trabalhadoras sexuais pode ter sido limitante, visto que é importante obter-se percepções e vivências de variados contextos; contudo, houve dificuldade de acesso a elas, e o local de sua realização, o Alto Sertão Produtivo Baiano, região do interior do Brasil com presença forte do patriarcalismo, faz com que muitas trabalhadoras sexuais tenham codinomes e permaneçam no anonimato.

Deve-se destacar que esta localidade, assim como as demais cidades interioranas do Brasil, tem costumes e cultura que valorizam as tradições morais, religiosas e familiares que marginalizam a sexualidade feminina e todas as questões subjetivas imbricadas, como o aluguel dos corpos para a obtenção de renda e a invisibilidade do prazer e da satisfação sexual da mulher (Couto et al., 2020). Este conjunto forma um arcabouço ideológico fundamentado no machismo e no patriarcalismo, o que acarreta marginalização, estigma e preconceito e influencia nas percepções construídas (Hirata, 2014).

Considerações Finais

Os sentidos que as trabalhadoras sexuais atribuíram à satisfação sexual fizeram emergir a compreensão de que o dinheiro, a satisfação e as modalidades da prática sexual são elementos relevantes para essas profissionais. A partir da abordagem fenomenológica heideggeriana e sartriana, torna-se viável a conclusão de que, para essa mulheres inquiridas acerca da satisfação sexual, o termo dinheiro, apresentado nas falas, em associação à sobrevivência e/ou lucro, e, por sua vez, conquistado por meio do ofício que praticam, relaciona-se às três dimensões expressadas como sentidos que remetem ao vivido, a partir das experiências adquiridas em contexto ambíguo, cuja temporalidade (passado, presente e futuro) não é linear, mas subjetiva, visto que cada uma das mulheres aprenderam o serviço sexual e se inseriram/foram inseridas de modo único e num período e espaço/lugar que lhe proporcionaram pertencimento.

As falas apontam uma construção sociocognitiva de experiências ensinadas e vividas, em que se observa a relação entre serviço sexual, satisfação financeira com os clientes e sexual/afetiva com os parceiros fixos. Com a análise fenomenológica sobre satisfação sexual, por meio dos significados construídos no cotidiano de serviço e dos aspectos subjetivos do que é ser/estar no trabalho sexual, profissionais de saúde poderão refletir e discutir acerca da satisfação financeira e sexual entre as trabalhadoras do sexo e, assim, pensar maneiras de abordá-las e de implementar um cuidado que atendam às suas necessidades. Dentre as ações que os profissionais podem adotar, destacam-se as intervenções de promoção à saúde, possibilitando às trabalhadoras sexuais maior autonomia sobre seus corpos, no intuito de propiciar maior liberdade e conhecimento de si e do quanto sua realidade influencia no bem-estar e na qualidade de vida, que, inevitavelmente, refletirão na satisfação sexual.

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Recebido em 05/11/2020

Última revisão em 03/08/2021

Aceite final em 17/12/2021

Sobre os autores:

Pablo Luiz Santos Couto: Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Enfermeiro pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Professor assistente do Colegiado de Enfermagem do Centro Universitário FG (UNIFG). E-mail: pablocouto0710@yahoo.com.br, Orcid: ­https://orcid.org/0000-0002-2692-9243

Samantha Souza da Costa Pereira: Mestra em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Enfermeira pela UEFS. Professora assistente do Colegiado de Enfermagem do Centro Universitário FG (UNIFG). E-mail: samantha.uefs@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5978-520X

Carle Porcino: Doutoranda em Enfermagem e Saúde na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestra em Estudos Interdisciplinares pela UFBA. Psicóloga pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC). E-mail: carle.porcino@outlook.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6350-2698

Dejeane de Oliveira Silva: Doutora em Enfermagem e Saúde pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Enfermeira pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Professora adjunta do Colegiado de Enfermagem da UESC. E-mail: dejeanebarros@yahoo.com.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1798-3758

Alba Benemérita Alves Vilela: Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará (UFCE). Enfermeira pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Professora plena do Curso de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e Saúde da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). E-mail: albavilela@gmail.com, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1187-0437.


1 Endereço de contato: Colegiado de Enfermagem, Av. Pedro Felipe Duarte, s/n, Bairro São Sebastião, Guanambi, Bahia, Brasil. CEP: 46430-000. E-mail: pablocouto0710@yahoo.com.br

doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v14i2.1575