Tédio e Procrastinação como Modos de Res(ex)istência no Contemporâneo

Boredom and Procrastination as Modes of Res(ex)istance in the Contemporary

Aburrimiento y Procrastinación como Modos de Res(ex)istencia en la Contemporaneidad

André Villela de Souza Lima-Santos1

Manoel Antônio dos Santos

Universidade de São Paulo (USP)

Resumo

Neste estudo teórico, buscamos refletir sobre o significado do tédio e da procrastinação no contexto pós-moderno, especialmente após a incidência dos traumatismos coletivos decorrentes da pandemia da COVID-19. Em diálogo com o pensamento de Foucault, Heidegger e Han, analisamos o protagonista do romance russo homônimo Oblómov para problematizar a recusa do indivíduo diante do imperativo da produtividade, no caso, no mundo social em transição do final do século XIX, com a acelerada urbanização e crescente industrialização. Apontamos que, após um século e meio, no processo de expansão do capitalismo, a relação da humanidade com o tempo e o espaço se alterou significativamente. O tempo se tornou um inimigo do indivíduo, um obstáculo a ser eliminado em um período dominado pela globalização, que intensifica os fluxos de produção e circulação de mercadorias. Tomamos o personagem Oblómov como representação alegórica do sujeito que se sente esmagado pelo tempo e tenta se defender da pressão para produzir até o limite da extração de potência de seu corpo, entregando-se ao tédio e à procrastinação. Destituído dos meios para agenciar sua existência, Oblómov é o suprassumo do sujeito do capitalismo contemporâneo: sua estratégia individualista de resistência acaba debilitando suas forças e esvaziando seu cotidiano de sentido.

Palavras-chave: Pós-Modernidade, Tédio, COVID-19, Produtividade

Abstract

In this theoretical study, we seek to reflect on the meaning of boredom and procrastination in the postmodern context, especially after the incidence of collective trauma resulting from the COVID-19 pandemic. In dialogue with the thought of Foucault, Heidegger, and Han, we analyze the protagonist of the homonymous Russian novel, Oblómov, to problematize the individual’s refusal to face the imperative of productivity, specifically within the transitioning social world of the late 19th century, marked by rapid urbanization and increasing industrialization. We point out that, after a century and a half, in the process of expansion of capitalism, the relationship of humanity with time and space has changed significantly. Time has become an enemy of the individual, an obstacle to be eliminated in a period dominated by globalization, which intensifies the flows of production and circulation of goods. We take the character Oblómov as an allegorical representation of the subject who feels crushed by time and tries to defend himself from the pressure to produce, to the limit of extracting power from his body, through boredom and infinite procrastination. Deprived of the means to manage his existence, Oblómov epitomizes the quintessential subject of contemporary capitalism: his individualistic strategy of resistance ultimately weakens his strength and drains his daily life of meaning.

Keywords: Postmodernity, Boredom, COVID-19, Productivity

Resumen

En este estudio teórico, buscamos reflexionar sobre el significado del aburrimiento y la procrastinación en el contexto posmoderno, especialmente después de la incidencia del trauma colectivo derivado de la pandemia del COVID-19. En diálogo con el pensamiento de Foucault, Heidegger y Han, analizamos al protagonista de la novela rusa homónima Oblómov para problematizar la negativa del individuo a enfrentar el imperativo de la productividad, específicamente en el mundo social en transición de finales del siglo XIX, caracterizado por la rápida urbanización y creciente industrialización. Señalamos que, después de un siglo y medio, en el proceso de expansión del capitalismo, la relación de la humanidad con el tiempo y espacio ha cambiado significativamente. El tiempo se ha convertido en un enemigo del individuo, un obstáculo a eliminar en un período dominado por la globalización, que intensifica los flujos de producción y circulación de mercancías. Tomamos al personaje de Oblómov como una representación alegórica del sujeto que se siente aplastado por el tiempo y trata de defenderse de la presión de producir, al límite de extraer poder de su cuerpo, a través del hastío y la procrastinación infinita. Despojado de los medios para organizar su existencia, Oblómov personifica al sujeto por excelencia del capitalismo contemporáneo: su estrategia individualista de resistencia finalmente debilita sus fuerzas y vacía su vida cotidiana de sentido.

Palabras clave: Posmodernidad, Aburrimiento, COVID-19, Productividad

Introdução

Neste estudo, buscamos refletir sobre o significado do tédio e da procrastinação no cenário pós-moderno, especialmente após a incidência do trauma coletivo decorrente da pandemia de COVID-19 (World Health Organization [WHO], 2020) e sua relação com as injunções impostas pelo atual estágio do tecnocapitalismo na era neoliberal. O percurso reflexivo é iniciado com uma breve reflexão sobre o contemporâneo, buscando dar contornos a um arcabouço crítico-teórico que nos permitirá situar o problema do imperativo da produtividade e as formas de resistência que ele engendra, as quais podem ser encontradas tanto no tédio como na procrastinação.

O percurso reflexivo é amparado em algumas contribuições seminais de pensadores como Foucault, Heidegger e Han. Resguardadas suas óbvias diferenças, tais autores são acionados por possibilitarem circunscrever alguns elementos caros a nossa argumentação, tais como biopoder (Foucault, 2008), era da técnica (Heidegger, 1927/2006) e sociedade do cansaço (Han, 2015), com os quais o contemporâneo pode ser pensado e interpretado. Em seguida, em um desdobramento do itinerário teórico-reflexivo, nos aproximamos de uma obra literária publicada em 1859 pelo escritor russo Ivan Gontcharóv, da qual destacamos para análise a personagem Oblómov, protagonista do livro homônimo. Esse momento da análise é amparado em pressupostos da analítica existencial de Heidegger.

Depois Daquele Vírus...

A partir dos primeiros meses de 2020, a população mundial teve seu cotidiano atravessado por um acontecimento crítico inusitado e começou a sofrer as graves repercussões da pandemia da COVID-19 (Oliveira et al., 2020a). Não foi apenas o vírus voraz e seu impacto na saúde física e mental da população que descortinou desafios inauditos à humanidade (Oliveira et al., 2020b), mas também os inúmeros problemas de cunho econômico, social, político e psicológico, que resultaram em aumento exponencial das disparidades sociais e dos índices de desemprego, aviltamento das condições de trabalho, sobrecarga familiar, exaustão e síndrome de esgotamento laboral dos profissionais de saúde (Matsuo et al., 2020; Vargas Rubilar & Oros, 2021).

As condições excepcionais serviram de pretexto para que se instaurasse um novo regime de exploração da força de trabalho, com apoio das tecnologias digitais, acelerando processos que já estavam em curso e que culminaram com uma concentração de renda sem precedentes, em um curto período de tempo. Entregadores de aplicativos, professores e profissionais liberais que tiveram de migrar para o ensino remoto e os “empreendedores” autônomos passaram por um processo de intensificação da carga de trabalho e, ao mesmo tempo, de desnudamento de sua precariedade social, intensificando o sofrimento psicossocial; já os profissionais das atividades ditas essenciais tiveram de sair a campo para garantir a sobrevivência de suas famílias, expondo-se ao risco de infecção (Bridi, 2020).

Medidas que buscaram combater a crise sanitária ou ao menos atenuá-la logo se mostraram de enorme complexidade e, em determinados países, nem sequer foram colocadas em prática (WHO, 2020). Em contraposição, antigas mazelas sociais, como a condenação da maior parte da população à pobreza, fruto da exclusão e da desigualdade perpetuadas pelo modo de produção capitalista, intensificaram-se, ao mesmo tempo que se assistia a uma crise interna que, de algum modo, ameaçava a continuidade do próprio sistema.

Por diversas razões, o contexto brasileiro foi um dos cenários que mais evidenciou os paroxismos dessa crise, devido a uma conjunção de fatores adversos que precipitaram uma gestão errática e criminosa da crise sanitária pelo governo central. Em um cenário de turbulência política, a extrema direita alojada no poder tentou tirar proveito da situação de exceção, vendo nela a chegada de um momento propício para implementar seu projeto radical de necropolítica, graças aos acordos espúrios de vários setores da elite dominante, por intermédio de seus representantes no Poder Executivo e no Congresso Nacional. A implementação da política de morte resultou em excedentes de sofrimento e deixou um triste saldo de milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas (Santos et al., 2020).

Nesse período de extremo desconforto e ameaça à existência das populações minorizadas, periféricas e subalternizadas, os trabalhos informais, tradicionalmente precarizados, não só perduraram como se expandiram extraordinariamente. Além disso, ocupações que usufruíam de estabilidade e segurança, e que exigiam algum tipo de qualificação profissional, também foram submetidas a “flexibilizações” das relações trabalhistas, que culminaram em maior fragilidade (Bridi, 2020). O sucateamento do ensino público ficou mais evidente do que nunca, e os ataques sistemáticos ao Sistema Único de Saúde, que garante o direito ao acesso universal da população, encontraram a resistência de uma legião de profissionais abnegados que não hesitaram em ir para o front de combate, expondo a própria vida ao risco na linha de frente. Embora esses processos tenham se iniciado anteriormente à pandemia, a crise de saúde global contribuiu para seu adensamento. Questões como o imperativo da produtividade incessante, supressão do lazer e da estabilidade econômica das famílias, apropriação da força de trabalho e desapropriação dos corpos, vampirização das energias vitais e solapamento do equilíbrio emocional são mazelas já exaustivamente dissecadas sob as lentes de várias correntes teóricas.

Um olhar retrospectivo para as origens históricas da questão da produtividade no Ocidente, por meio do conceito de biopolítica, permite vislumbrar que, a partir do século XVII, houve um incitamento à produção de discursos sobre o sexo (Foucault, 1988). Tais discursos incidiam sobre os membros da família e atuavam no sentido da disciplinarização e docilização dos corpos. Para se fazer efetivo, esse esquadrinhamento dos corpos requeria o desenvolvimento de tecnologias que contribuíram para disciplinar os sujeitos modernos e ajustá-los às necessidades da sociedade capitalista nascente. A biopolítica surge, aproximadamente, na metade do século XVIII, e inicialmente teve como foco o corpo “transpassado pela mecânica do ser vivo e como suporte dos processos biológicos: a proliferação, os nascimentos e mortalidade, o nível de saúde, a duração de vida, a longevidade” (Foucault, 1988, p. 131). De início, o sistema biopolítico era centrado na relação entre Estado, corpo e riqueza da nação, buscando disciplinar a população; porém, com o passar do tempo, este escopo foi estendido e passou a atuar para disseminar e manter as normas sociais e afirmar os valores burgueses nascentes.

Como esperado, as forças que moldam os corpos também passaram a encontrar formas de resistência, rapidamente esquadrinhadas, enquadradas e classificadas na categoria de desvio, uma forma de controlar a potência disruptiva e subversiva das dissidências que ameaçam a estabilidade das relações hierárquicas de poder sedimentadas. Resistir a essas injunções pode resultar em deslocamentos, enquadramentos, rotulagem, condenação e expurgo, tais como a classificação em categorias estigmatizantes, como a loucura, a doença e a abjeção, as quais são formas específicas de sanções sociais reservadas àqueles indivíduos que não estão em conformidade com as normas e a disciplinarização dos corpos sob à égide da ordem instituída.

A biopolítica se consolida no início do século XIX, com o advento da família nuclear burguesa (Miskolci, 2005). Como instituição crucial na organização de nossa sociedade, a família burguesa emerge como um modelo produtivo, do ponto de vista econômico, e reprodutivo, do ponto de vista biológico, o que significa que sua função social é dar sustentação aos cuidados dos filhos. Essa dimensão do cuidar da prole é indissociável de sua outra função: reproduzir normas e zelar pela preservação dos costumes e valores burgueses. Portanto, a família é uma instância disciplinarizadora e normalizadora, uma instituição vigilante dos padrões de normalidade. Para exercer essa função a contento, o poder escrutina e discrimina (no sentido de separar) a norma e o desvio, os bons e os maus costumes, os comportamentos aceitáveis e os repudiados, o desejável e o repulsivo.2

Posteriormente, ainda no horizonte de pensamento de Foucault (1999, p. 244), o autor propõe o conceito de sociedade disciplinar, processo que se inicia no século XVIII.

Digamos que a disciplina é o processo técnico unitário pelo qual a força do corpo é com o mínimo ônus reduzida como força “política”, e maximalizada como força útil. O crescimento de uma economia capitalista fez apelo à modalidade específica do poder disciplinar.

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han (2015), que se destaca como um dos maiores críticos contemporâneos da sociedade do hiperconsumismo, nota que, na atualidade, o indivíduo se deixa explorar e acredita que isso é uma forma suprema de ter realização pessoal. Ao notar as transformações pelas quais a sociedade ocidental passou nos últimos séculos, Han sugere que a sociedade disciplinar teorizada por Foucault, com seus hospitais, hospícios, presídios, escolas e quartéis, deu espaço para um novo tipo de sociedade, que ele designa como sociedade do desempenho. Os velhos prédios disciplinares cederam espaço para academias de ginástica (fitness), salões de beleza, bancos, aeroportos, entre outros monumentos que entulham a paisagem urbana. Na busca pela maior produtividade, o sujeito da sociedade do desempenho se ampara em ideias como iniciativa, motivação e eficiência. O cidadão, reduzido à condição de consumidor, tem seu funcionamento regido pelo lema Yes, we can, ao mesmo tempo que se deixa levar pelo frenesi do consumo infinito pelas ­plataformas do e-commerce, com serviços on demand 24 horas. Mais do que um rompimento, parece haver uma intensificação disciplinar na sociedade do desempenho. As produções de subjetividades não passam ilesas a essa lógica.

Na mesma toada, Mark Fisher (2020), crítico cultural britânico, escreve que nossa época é a da eterna postergação, como foi antecipado magistralmente pelo escritor Kafka (1925/2019) em O processo, romance no qual um homem é acusado de ter cometido um crime que desconhece. Seu julgamento é adiado indefinidamente, porém nunca encerrado. Assim, quase imperceptivelmente, instaura-se uma atmosfera difusa de pesadelo, na qual o processo estendido infinitamente, sem uma sentença final, será de fato a punição e mortificação do réu. Vivemos sob a égide de uma sociedade na qual

. . . a educação é um processo para toda vida; o treinamento para o trabalho se estende por toda a vida profissional; o trabalho nunca termina porque você leva o trabalho para casa; trabalha-se em casa e se fica em casa no trabalho etc. Uma consequência deste modo “indefinido” de poder é que a vigilância externa é sucedida pelo policiamento interno (Fisher, 2020, p. 46).

Após destacar essa dimensão panóptica, Fisher (2020) também corrobora a ideia de uma superação da sociedade disciplinar. Se o sujeito da sociedade disciplinar era o trabalhador/presidiário, o sujeito dos nossos tempos é o viciado ou endividado, isto é, aprisionado em fluxos contínuos e sufocantes, ao qual se entrega docilmente, sem se dar conta do poder de sedução do mercado e do ideário neoliberal, que promete que todos podem ser empreendedores de si mesmos. Se, no início da década de 1970, a classe operária sonhava com a possiblidade de um dia ir ao paraíso, no contemporâneo, o sujeito não tem tempo sequer de sonhar. Não por acaso, a hiperatividade e o deficit de atenção aparecem como patologias típicas do capitalismo tardio, fruto da hiper-conectividade permanentemente atrelada à promoção do consumo sem sumo. É nesse horizonte que o tédio, enquanto dificuldade de dar cabo de um ritmo existencial prévio, emerge.

Sofrendo Sem Saber do Quê

Sem pretendermos privilegiar algumas propostas de leitura em detrimento de outras compreensões teóricas, salientamos como todas parecem convergir para o desconforto produzido por um fenômeno social que se intensificou no século XXI, à medida que o sujeito é inserido em uma intensa lógica de extração perpétua, não só na expropriação de sua produtividade, como também na exacerbação paroxística do consumo. A natureza não passa ilesa ao processo de espoliamento de seus recursos, segundo a lógica da maximização do lucro e da extração predatória dos bens naturais até a exaustão completa do planeta. Assim, o modo de produção capitalista acaba por interpelar e produzir novas subjetividades, disciplinadas e afeitas a uma modalidade de prazer perpétuo que se locupleta na repetição compulsiva e na plenitude do vazio. Na lógica da apropriação e conversão dos recursos em mercadoria, a objetificação é (re)produzida, quando se altera profundamente a relação do sujeito com o tempo e o espaço vividos.

Embora esse fenômeno não seja novo, as novas ferramentas tecnológicas que permitem a perenização dessa lógica de dominação potencializaram a tal ponto os mecanismos de controle que, cada vez mais, deparamo-nos com sujeitos se queixando de fadiga extrema e exaustão persistente, com dificuldade de se engajar em atividades significativas. Essa conjuntura resulta no tédio profundo, que se instala no cerne de um modo de existência social, o qual Han (2015) denominou de sociedade do cansaço.

O tédio foi teorizado por diversas escolas filosóficas ao longo da história do pensamento ocidental, mas nos interessa adotar a perspectiva do filósofo alemão Martin Heidegger, que se debruçou sobre o conceito enquanto tonalidade afetiva fundamental. Historicamente, por ser um afeto, o tédio figurava no sopé da hierarquia de entidades subjetivas, de acordo com a tradição filosófica. Nesta, em primeiro lugar, eram alocadas as representações, que eram relevantes por estarem atreladas à verdade – e, nesse sentido, podiam ser consideradas adequadas ou inadequadas. Em segundo lugar, estava situada a vontade, também associada à verdade, pois podia ser interpretada como justa ou injusta (valores metafísicos). Por último, na base da pirâmide, apareciam os afetos como meros adereços em comparação às representações e à vontade. Heidegger desafia essa visão tradicional da filosofia ao atribuir aos afetos um caráter fundamental (Casanova, 2021).

Heidegger se deu conta de que o modo de ser no espaço, isto é, a forma como somos inseridos em um mundo concreto, físico e material, é pautada pelo modo como existimos em relação à temporalidade e suas possibilidades (Casanova, 2021). Portanto, a espacialização está sempre em jogo: nós nunca simplesmente existimos em um espaço previamente dado. “A presença toma – em sentido literal – espaço. Ela não é em absoluto, apenas simplesmente dada no pedaço de espaço que um corpo físico preenche” (Heidegger, 1927/2006, p. 457). O autor personifica essa reflexão por meio da ilustração de um sujeito melancólico. Sua melancolia não provém de um objeto, pelo contrário, ela reorganiza o espaço ao redor dele; seu corpo se encolhe, os objetos ao seu redor lhe são indiferentes, mas não porque ele não se interessa por eles, e sim porque o encolhimento do enfoque do sujeito impossibilita a expansão de tal interesse: “Dito de outro modo, eles aparecem aqui e agora como não aparecendo” (Heidegger, 1927/2006, p. 25).

Na perspectiva heideggeriana, a tristeza, ou qualquer outro afeto, não é uma lente pela qual se vê o mundo (como se o sujeito melancólico olhasse o mundo se descortinar diante de si por um prisma melancólico), pois, se assim fosse, tudo sobre o qual a atenção do sujeito pairasse seria percebido por meio de um olhar triste. A proposta, ao contrário, é pensar que a tonalidade afetiva é responsável por não nos “permitir” sequer vermos ou percebermos algo. É isso o que faz com que se encurte ou alargue o horizonte no qual o mundo é percebido. Mas o que faz do tédio uma tonalidade afetiva fundamental?

Heidegger (1927/2006) diferencia as tonalidades afetivas entre cotidianas e fundamentais, baseando-se na própria possibilidade do ser-aí (isto é, a condição existencial do homem) decair na cotidianidade, na banalidade do dia a dia impessoal: “vive-se”, “acorda-se”, “morre-se”. Essa condição de decaído atenua o peso da existência, que se caracteriza justamente pela ausência de fundamentos, pela falta de uma “natureza humana” para se apoiar, pelo obscurecimento; o sujeito passa a ser mais um ente entre os entes. Por outro lado, o ser-aí pode se deparar com esse “nada” da existência para, a partir dele, situar o seu poder ser, seu caráter de ser lançado no mundo e que, inclusive, é finito, tendo como única certeza a sua própria morte (Heidegger, 1927/2006).

Portanto, tonalidades afetivas cotidianas são “responsáveis por um modo determinado de estruturação do espaço existencial, em meio ao qual o ser-aí se encontra, de uma ­maneira ou de outra, disposto” (Casanova, 2021, p. 31). Já as tonalidades afetivas fundamentais, por outro lado, trazem à tona o peso da existência, da responsabilidade de ser; recebem o nome de fundamentais porque provêm do próprio fundamento da existência e por viabilizarem a experiência fundamental do ser-aí humano, “a experiência da abertura do ente na totalidade” (p. 32).

Para inserirmos as reflexões heideggerianas sobre o tédio em um contexto social, recorreremos ao personagem Iliá Ilitch Oblómov, que protagoniza uma obra clássica da literatura russa, o romance Oblómov, do escritor Ivan Gontcharóv, publicado em 1859. Nessa obra ficcional, Gontcharóv (1859/2020) tece reflexões que ultrapassam o contexto sócio-histórico específico do personagem. Com o devido cuidado para não incorrermos no risco de cometer anacronismo, reconhecemos que os efeitos de sentido produzidos pelo romance de Gontcharóv estão evidentemente atrelados à sua época e ao contexto da sociedade patriarcal russa na qual a trama foi pensada; porém, eles podem ganhar surpreendentes conexões com o ethos das primeiras duas décadas do século XXI se pensarmos na capacidade de uma obra de arte inseminar reflexões rizomáticas para além de seu tempo e cenário histórico.

As agruras de Oblómov sugerem como o tédio faz o personagem despertar para seu modo de existir. A obra traça sua trajetória rumo à sua singularidade ontológica que o distingue de ser mais uma coisa entre coisas, quando ele percebe que é responsável por suas escolhas:

Como é possível? E ainda não fiz nada . . . Quero traçar o plano no papel e não o fiz, não escrevi para o chefe da polícia, nem para o governador. Comecei uma carta para o proprietário do prédio, mas não terminei, não conferi as contas e não dei o dinheiro. . . a manhã foi perdida (Gontcharóv, 1859/2020, p. 120).

O personagem passa, então, a se comparar com os outros, ou com um “outro”, imaginando se qualquer outra pessoa teria sido capaz de executar as tarefas que ele havia se proposto a fazer sem sucesso naquele dia: “‘O outro’, e aqui ele bocejou, ‘quase não dorme
. . . o outro desfruta a vida, vai a toda parte, vê tudo, se interessa por tudo . . . E eu! Eu . . . não sou um outro!’” (Gontcharóv, 1859/2020, p. 120). Ao se perceber como “não outro”, Oblómov é acometido pela angústia que emerge do tédio:

Havia chegado um dos momentos mais lúcidos e conscientes da vida de Oblómov. Como era terrível para ele quando surgia de repente em seu espírito a imagem viva e clara do destino humano e de seu significado, e quando entrevia num lampejo um paralelo entre aquele significado e sua própria vida, quando dentro de sua cabeça se derramavam, umas sobre as outras, várias questões vitais, e rodavam, em desordem, de modo atemorizante, como pássaros despertados por um raio repentino de sol, numa ruína adormecida. Sentia-se amargurado com aquela confissão secreta que fazia para si mesmo. Estéreis ações com o passado, acusações ardentes da consciência o acossavam como agulhas, e com todas as forças ele se empenhava para se desvencilhar do fardo de tais acusações, encontrar um culpado fora de si e lançar os dardos sobre o culpado. Mas quem? “Tudo por causa de . . . Zakhar!” – sussurrou (Gontcharóv, 1859/2020, p. 121).

Zakhar era o criado de Oblómov. No romance, esse personagem cumpre a função de simbolizar a persistência – e ao mesmo tempo a decadência e ocaso – das relações de servidão que caracterizavam o Império Russo durante o reinado do czar Alexandre II.

“Ser Ou Não Ser?” Não Ser, É Claro!

Como vimos, o romance Oblómov retrata a aristocracia russa na iminência de grandes mudanças sociais, como o fim da servidão em 1861. É também uma obra influenciada pelos novos paradigmas de sua época, como o embrionário capitalismo industrial, que introduzia a sacralização do lucro e a pressão pela produtividade. De acordo com Figueiredo (2020), no prefácio escrito para a edição em português do romance Oblómov, a geração de autores russos na qual o escritor se inseria procurava entender, por meio da literatura, os impactos e rupturas que abalaram os pilares da sociedade de matriz agrária, baseada nas relações de servidão e dominada por uma elite antiquada.

De fato, o romance de Gontcharóv (1859/2020) problematiza as transformações decorrentes de um problema histórico desencadeado pela introdução acelerada do modo de produção capitalista em uma sociedade baseada em tradições que começavam a ser questionadas como arcaicas e inadequadas ao novo momento histórico. Oblómov, portanto, é uma obra imersa em sua época e no cenário social em rápida transformação, de onde extrai sua força a partir da análise crítica do mundo social.

Para exprimir as contradições da época do Império Russo, o escritor narra os embates entre um senhor de terras indolente (Oblómov), representante da antiga aristocracia russa, que se contrapõe obstinadamente à dinâmica introduzida pelo empreendedorismo capitalista nascente, e o personagem ‘não russo” Stolz, amigo de infância de Oblómov, que personifica o antagonista identificado com os valores da Europa ocidental. O primeiro é caracterizado pela adoção de uma postura apática, indolente e preguiçosa. Um herói descrito como desprovido de vontade e alheio a tudo, optando por viver uma vida reclusa e pouco sociável. Passa os dias deitado, idealizando planos mirabolantes que nunca são colocados em prática. A tônica de seu cotidiano é a postergação, enquanto que Stolz é retratado como diligente e audacioso.

Nobre e senhor de terras, Oblómov vive da renda de sua família em São Petersburgo, advinda de uma propriedade campestre, Oblómovka, que anteriormente havia sido próspera, mas que acabou entrando em decadência por ter ficado “parada no tempo” – em termos heideggerianos, por ser cuidada no modo do descuido. Indiferente à decadência que o cerca por todos os lados, Oblómov é perdulário, gasta mais do que pode e leva uma vida acima de suas posses. Além disso, depende quase que integralmente de seu criado, Zakhar, com quem mantém uma relação ambivalente, explosiva, porém afetuosa, ainda que Oblómov seja claramente alinhado aos valores da decadente aristocracia russa.

Oblómov é um dos últimos representantes de uma elite perdulária que não tardaria a desaparecer e que sempre viveu às custas da exploração do trabalho alheio, preocupada apenas com a manutenção de seus privilégios. Uma classe social que se deteriorava a olhos vistos, passiva e indiferente como o modo de ser de Oblómov em sua notória deriva inercial. Stoltz, em contraposição, é um homem prático, dedicado ao trabalho e que se mantém sempre ocupado, representante de uma nova ordem econômica que está por vir. Não por acaso, ele é retratado como alemão, ou seja, adepto do pensamento capitalista europeu ocidental ainda nascente ou em vias de expansão no solo russo, acompanhado de seu novo regime de subjetivação no qual já não cabe mais tolerar o modo de vida da aristocracia indolente e parasitária.

Ao sermos apresentados ao protagonista da obra, logo identificamos a relação de Oblómov com a espacialidade. Sua forma “natural” de estar no mundo é na posição horizontal, deitado, imóvel, inclinado, caído ou estático, ou seja, em movimento descendente, ao passo que Stoltz está sempre em atividade e se movendo, viajando, ocupando espaços, em movimento ascendente. Lounsberry (2011) escreve que essa dicotomia diz respeito à relação da condição pré-capitalista russa e da relação do florescente capitalismo europeu com a espacialidade. Se os romances tradicionalmente expõem seus personagens se movendo de um lugar ao outro para representar as mudanças e o desenvolvimento do arco dramático, Gonchárov (1859/2020, p. 15) propositadamente mantém Oblómov fixo no mesmo lugar, “sempre no mesmo quarto”. Não acompanhamos qualquer transformação na vida estagnada do personagem, amargurado e completamente absorto em sua indolência paralisante.

Enquanto era jovem, o personagem ainda mantinha aspirações, sonhos e nutria a crença na relevância de seu papel na sociedade. Porém, com o tempo, já instalado nos privilégios da vida adulta, essas aspirações passaram a ficar cada vez mais turvas e de alcance distante, até que seu cotidiano passou a ser inundado pela apatia e letargia.

Ficar deitado não era para Iliá Ilitch nem uma necessidade, como é para um doente ou para alguém que deseja dormir, nem um acaso, como é para alguém que está cansado, nem um prazer, como é para um preguiçoso: tratava-se de um estado normal. Quando estava em casa – e quase sempre estava em casa –, ele ficava o tempo todo deitado, e sempre no mesmo quarto (Gontcharóv, 1859/2020, p. 15).

É interessante notar que Oblómov não abandonava seus sonhos simplesmente em nome do conforto, uma vez que não sentia prazer em sua imobilidade. Pelo contrário, mantinha acesa, em seus pensamentos, a crença de que realizaria seus sonhos um dia.

Mas continuava se organizando e se preparando para começar a viver, sempre projetava em pensamento o esquema de seu futuro; mas, a cada ano que passava por cima de sua cabeça, era preciso alterar alguma coisa naquele esquema, pôr alguma coisa de lado (Gontcharóv, 1859/2020, p. 74).

A procrastinação é companheira íntima do tédio. Heidegger (1927/2006) diferencia três formas de tédio. Iremos nos ater à terceira forma: o tédio profundo. Nele, não há “algo” que entedie o sujeito, o sujeito nem sequer “está” entediado, mas “tudo é envolvido pela atmosfera do tédio. Não há passatempo nesta forma do tédio; ele nos arranca da cotidianidade e nos lança próximos de nossa condição ontológica de sermos entes desinteressantes” (Mattar, 2020).

Quando se instaura definitivamente essa atmosfera opaca e difusa, Iliá Ilitch Oblómov vive o tédio profundo, entregue ao passar das horas, recluso em seus aposentos. Não são apenas seu quarto, ou seu divã, ou sequer seu criado, Zakhar, que se mostram entediantes. É a atmosfera do tédio que permeia seu viver. Assim, o senhor de terras permanece estático, e mesmo seus interesses por coisas novas, que no passado o instigavam, acabam se esvaindo em pouco tempo, o que nos remete ao aspecto da curiosidade no sentido fenomenológico-existencial.

Heidegger (1927/2006) reconhece no ser-aí seu caráter de abertura, isto é, de possibilidades, descerramento, o que ele chama de “clareira do ser”, mas cuja forma de ser pode decair na cotidianidade, na lida com os entes, “coisificando-se”. Com a devida licença poética, é possível aproximar essa concepção heideggeriana do modo como Oblómov se relaciona com sua existência, especialmente quando o filósofo escreve que a “curiosidade . . . ocupa-se em ver, não para compreender o que vê. . . mas apenas para ver. Ela busca apenas o novo a fim de, por ele renovada, correr para uma outra novidade” (Heidegger, 1927/2006, p. 236).

Com seu enfado profundo, Oblómov tenta resistir à modernização, ao advento de uma nova ordem que, inexoravelmente, viria sobrepor-se à tradição aristocrática, sem se dar conta de que estava situado – e sitiado – no limiar de uma grande transformação. À luz de seu tempo, Oblómov torna-se um pária, um ser desviante.

Esse panorama dos problemas e temores sociais de fins do século retrasado é o ponto de partida necessário para o estudo histórico da normalidade e do desvio social, pois este par relacional de oposições não existia anteriormente. A emergência da normalidade e do desvio só pode ser esclarecida se constatarmos que, ao contrário do que parecia aos pensadores daquela época, os problemas que os afligiam não eram novos (Miskolci, 2005, p. 10).

No limiar da passagem do século XVIII para o XIX, o que seria esse “novo” que estava por vir e que se anunciava sub-repticiamente na atmosfera recriada pelo romance? A era na qual a técnica objetificaria o humano, vampirizando corpos e mentes, servindo apenas de meio para alcançar um fim. Se, no século XIX, essas técnicas correspondiam a novas formas de extrair riqueza do solo, de medicar o corpo humano, de criar fábricas, máquinas a vapor, novas formas de financeirização da vida e apropriação privada dos excedentes de valor gerados pela força de trabalho, o que dizer da vida no século XXI, quando os avanços tecnológicos já subvertem os próprios conceitos de espaço e tempo, permitindo instaurar novas formas de dominação baseadas na extração, precarização e exploração do trabalho?

O tédio parece ser o humor típico da era tecnológica (Heidegger, 1927/2006). Nossa “compulsão” a fazer de tudo com o menor dispêndio de tempo possível acaba por gerar diversos impactos nos modos de ser. O tempo, nesse horizonte histórico, passa a ser concebido e vivido como um inimigo, um alvo a ser arduamente combatido e conquistado na lida diária, uma presa a ser cercada e abatida, ainda que, paradoxalmente, cada vez mais a subjetividade contemporânea se sinta aprisionada e exaurida nessa batalha que já nasce perdida. Algo da ordem de uma inversão acontece quando os filhos é que devoram Saturno. “Para a humanidade pós-moderna o tempo está fugindo. Nossa luta interminável pela eficiência, uma batalha feroz contra o tempo, produz dormência filosófica. A enxurrada da tecnologia, encantadora em seu poder, se mostra anestesiante em seus efeitos” (Thiele, 1997, p. 506).

Em vez de uma ruptura paradigmática, talvez seja mais apropriado dizer que houve uma intensificação da sensação de escassez do tempo e da dificuldade de se perceber como livre (“clareira”) nas teias e telas do tédio profundo, pixelizado nos monitores de computadores e displays de celulares que colonizam o cotidiano. Nessas circunstâncias, o tédio aparece como produto da coisificação do ser, que se intensifica a partir do século XIX.

Considerações Finais

Este estudo teórico oferece reflexões sobre o tédio e a procrastinação no cenário contemporâneo, destacando as mudanças observadas na relação entre indivíduo, tempo e ­produtividade. Tais mutações resultam de transformações sociais que vêm sendo produzidas sistematicamente ao longo do último século e meio, com impactos nos processos de subjetivação. O estudo fornece argumentos críticos que contribuem para pensarmos na necessidade de mobilizar novas formas de ser no cenário contemporâneo, com base em narrativas de resistência e afirmação de existência.

Guardadas as devidas proporções e respeitando-se o distanciamento temporal e as óbvias diferenças do contexto sócio-histórico e cultural no qual o romance Oblómov foi escrito por Ivan Gontcharóv, em comparação com o cenário político-institucional vigente no Brasil contemporâneo, é possível identificar alguns pontos de intersecção. O primeiro e mais perceptível é o contexto de transição da ordem econômica, política, social e cultural, o que permite inferir como a adesão ao capitalismo produz efeitos de homogeneização social que incidem sobre os processos de subjetivação. Estes, por sua vez, instauram novos regimes de verdade que conformam os corpos e sujeitos a um regime de servidão voluntária. Sociedades baseadas exclusivamente nos ideais de produtividade e extração do lucro – elementos que se alimentam e se canibalizam mutuamente –, e nas quais o trabalho da maioria é sistematicamente expropriado pela elite dirigente, abominam o tédio, atribuindo-lhe valoração moral.

O anti-herói Iliá Ilitch Oblómov, impiedosamente retratado por Ivan Gontcharóv na obra ficcional, de forma não deliberada, termina por colocar em xeque os valores comprometidos com a nova moral hegemônica então nascente. Em sua deriva inercial, escolhe ­resistir-não-resistindo ao movimento da irresistível decadência de sua classe social, lançando mão de estratégias como a procrastinação, abulia paralisante e autoenclausuramento no exíguo perímetro de seu quarto e de sua cama, adotando a letargia e a indolência como modos de marcar sua recusa de viver a vida, alimentando o desejo de nada desejar.

Amparados no pensamento heideggeriano, vemos que nossa relação com as mudanças sociais no contemporâneo, principalmente no que diz respeito à percepção do tempo e à experiência subjetiva do espaço, alterou-se radicalmente no marco histórico inaugurado pelo tecnocapitalismo neoliberal e pode nos distanciar ainda mais do contato com o mundo à nossa volta. A criação de novos dispositivos de dominação no contemporâneo, a partir de modos de existir baseados na desmaterialização dos corpos e na virtualização da existência no espaço digital, pode inibir nossas possibilidades de exercitar tanto o cuidado do outro quanto o autocuidado, enquanto atos de potência criadora que devemos atualizar na medida em que compomos nossa existência. Nesse sentido, a ruína subjetiva da resistência de Oblómov, camuflada em passividade e tédio, pode ser vista como emblemática dos processos de subjetivação em momentos de marcada transição e instabilidade da ordem dominante.

O estudo tem algumas limitações que devem ser ponderadas. Pautamos nossa análise na dinâmica psicológica de um personagem ficcional, apresentando-o como emblemático de alguns dos dilemas que afligem o homem contemporâneo. No entanto, é necessário resguardar as diferenças existentes entre o contexto, tempo e espaço nos quais o personagem foi criado e a realidade social do Brasil do início do século XXI. Futuras pesquisas podem se beneficiar da aplicação das discussões teóricas apresentadas, inclusive na condução de estudos empíricos, que permitam entender as implicações dos problemas investigados no mundo social contemporâneo. Destarte, acreditamos que explorar os impactos dos eventos disruptivos instaurados pela pandemia de COVID-19 sobre o agravamento do tédio e da ­procrastinação pode favorecer a proposição de estratégias apropriadas para lidarmos com esses fenômenos e suas consequências, as quais podem ser exacerbadas em conjunturas de crise.

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Recebido em: 08/06/2023

Última revisão: 28/08/2023

Aceite final: 03/10/2023

Sobre os autores:

André Villela de Souza Lima-Santos: Mestre em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Bolsista de Mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), processo número 160741/2021-1. E-mail: andvillela@gmail.com, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9956-8285

Manoel Antônio dos Santos: Doutor pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP) e livre-docente pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Professor titular na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, categoria 1A. E-mail: masantos@ffclrp.usp.br, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8214-7767


1 Endereço para contato: Avenida Bandeirantes, 3900, Monte Alegre, Campus Universitário, Departamento de Psicologia, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. CEP: 14040-901. Tel.: (16) 3315-3645.

2 Revisitando, em reconstituição histórica, como se deu a emergência e transformação das teorias sociológicas que buscam compreender comportamentos socialmente classificados como “desviantes”, Miskolci (2005) aponta que as ciências sociais evoluíram de uma abordagem inicialmente comprometida com a moral hegemônica para, gradualmente, questionar os valores que sustentavam a classificação de certos comportamentos como anormais. O autor localiza na segunda metade do século XX o ponto de virada nas ciências sociais, quando o desvio dá lugar às diferenças como categoria de análise. Esse giro epistemológico possibilitou questionar os valores determinantes para a “invenção do Outro” em nossa sociedade.

doi: http://dx.doi.org/10.20435/ppssa.v15i1.2428