Avanços e Desafios na Avaliação Psicológica: Uma Análise da Prática Profissional no Brasil
Advances and Challenges in Psychological Assessment: An Analysis of Professional Practice in Brazil
Avances y Desafíos en la Evaluación Psicológica: Un Análisis de la Práctica Profesional en Brasil
Maria Gabriela Costa Ribeiro
Isabel Cristina Vasconcelos de Oliveira
Universidade Federal da Paraíba
Resumo
A Avaliação Psicológica (AP) consiste em um processo de investigação de fenômenos psicológicos e tem apresentado avanços contínuos em muitos aspectos. À medida que os avanços são notáveis, surgem desafios importantes para a prática profissional. Nesse sentido, o presente estudo teórico tem o objetivo de discutir e refletir sobre os desafios e limites de atuação do profissional de Psicologia nos processos avaliativos, bem como apresentar diversos avanços já alcançados na área. Para tanto, apresentar-se-ão os principais avanços da área, como a contribuição do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI) e da Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica, os métodos e as técnicas, principalmente aqueles projetivos, e, por fim, a compreensão do psicodiagnóstico como uma avaliação compreensiva e a importância das indicações terapêuticas. E, na sequência, serão discutidos os desafios: subutilização dos inúmeros recursos do computador e das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs), uso inapropriado dos instrumentos de Psicologia, acesso mais restrito à AP por diversas populações e subgrupos e amostras normativas limitadas. Portanto, a Avaliação Psicológica tem mostrado avanços significativos, mas ainda enfrenta desafios que exigem atenção, como a inclusão tecnológica e a ampliação do acesso a diversas populações.
Palavras-chave: Avaliação Psicológica, Psicodiagnóstico, Testes Psicológicos
Abstract
Psychological Assessment (AP, acronym in Portuguese) consists of a process of investigating psychological phenomena and has been continuously developing and evolving in many aspects. As its progress becomes more evident, important challenges arise for professional practice. In this regard, the present theoretical study aims to discuss and reflect on the challenges and limitations faced by psychology professionals in evaluative processes, as well as to present various advances already achieved in the field. To this end, the main advancements in the area will be presented, such as the contributions of Psychological Test Assessment System (SATEPSI, acronym in Portuguese) and the Psychological Assessment Advisory Committee, methods and techniques – especially projective ones – and, finally, the understanding of psychodiagnostics as a comprehensive assessment and the importance of therapeutic recommendations. Subsequently, the study will discuss challenges such as the underutilization of the numerous resources provided by computers and Digital Information and Communication Technologies (DICTs), the improper use of psychological instruments, restricted access to psychological assessment for various populations and subgroups, and limited normative samples. In summary, Psychological Assessment has shown significant advancements but still faces challenges that require attention, such as technological inclusion and expanding access to diverse populations.
Keywords: Psychological Assessment, Psychodiagnosis, Psychological Testing
Resumen
La Evaluación Psicológica (AP, acrónimo en Portugués) consiste en un proceso de investigación de fenómenos psicológicos y ha evolucionado de manera continua, en muchos aspectos. A medida que sus avances son notables, surgen importantes desafíos para la práctica profesional. En este sentido, el presente estudio teórico tiene como objetivo discutir y reflexionar sobre los desafíos y los límites de actuación del profesional de Psicología en los procesos evaluativos, así como presentar diversos avances ya alcanzados en el área. Para ello, se presentarán los principales avances en la disciplina, como la contribución del Sistema de Evaluación de Pruebas Psicológicas (SATEPSI, acrónimo en Portugués) y de la Comisión Consultiva en Evaluación Psicológica, los métodos y las técnicas, principalmente los proyectivos, y, finalmente, la comprensión del psicodiagnóstico como una evaluación comprensiva y la importancia de las indicaciones terapéuticas. A continuación, se discutirán los desafíos: la infrautilización de los numerosos recursos que el uso del ordenador y las Tecnologías Digitales de la Información y Comunicación (TDICs) pueden ofrecer, el uso inapropiado de los instrumentos de Psicología, el acceso más restringido a la Evaluación Psicológica para diversas poblaciones y subgrupos, y las limitadas muestras normativas. En resumen, la Evaluación Psicológica ha mostrado avances significativos, pero aún enfrenta desafíos que requieren atención, como la inclusión tecnológica y la ampliación del acceso a diversas poblaciones.
Palabras clave: Evaluación Psicológica, Psicodiagnóstico, Testes Psicológicos
Introdução
A Avaliação Psicológica (AP) consiste em um processo estruturado de investigação de fenômenos psicológicos, composto de métodos, técnicas e instrumentos científicos, voltado a prover informações à tomada de decisão, no âmbito individual, grupal ou institucional, sendo elaborado a partir de demandas específicas conforme preconiza a Resolução nº 31/2022. Como função privativa do profissional de Psicologia, definida a partir da lei regulamentadora da profissão (Brasil, 1962), muito já se evoluiu na área, com qualidade comprovada por meio de vários indicadores (Noronha et al., 2023), como aumento da produção científica, criação de normativas e resoluções, ampla construção e uso de instrumentos psicológicos, formalização do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI) etc. Com o avanço desta prática, novos desafios surgem e, com eles, a necessidade de se refletir sobre quais aspectos têm avançado e quais desafios ainda enfrenta.
A formação e a prática profissional contribuem para essa reflexão. Nos cursos de graduação, observa-se que, apesar do aumento de atividades voltadas para a comunidade, as instituições ainda possuem uma variedade mínima de testes psicológicos (Dias-Viana & Costa, 2021). Além disso, destacam-se a ausência de testagem informatizada, poucas testotecas e funcionários sem formação em Psicologia responsáveis pelo gerenciamento dos testes (Gomes & Cardoso, 2023). Diante desses desafios, Borsa (2021) enfatiza a necessidade de atividades práticas e supervisão rigorosa, conectando o aprendizado acadêmico com a realidade profissional, o que melhora a formação dos psicólogos para lidar com as demandas sociais e do mercado de trabalho.
Em relação à atuação dos profissionais, Sá et al. (2023) investigaram as práticas, a formação e o conhecimento de 124 psicólogos registrados no Conselho Regional de Psicologia do Maranhão. Os resultados indicaram que a maioria dos psicólogos utiliza a AP em sua prática, sendo a entrevista e a observação as técnicas mais empregadas. No entanto, foi identificada uma dificuldade na compreensão de conceitos psicométricos e uma limitação no uso de testes psicológicos. De forma semelhante, Dias-Vianna e Costa (2021) também observaram que a maioria dos profissionais ainda entende a AP predominantemente como a aplicação de testes psicológicos, sendo as entrevistas e os métodos projetivos/expressivos os mais utilizados.
Nesse sentido, o presente estudo teórico tem o objetivo de discutir e refletir sobre os desafios e limites de atuação do profissional de Psicologia nos processos avaliativos, bem como apresentar diversos avanços já alcançados na área. Para tanto, este artigo encontra-se estruturado da seguinte forma: inicialmente, apresentar-se-ão os principais avanços da área, como a contribuição do SATEPSI e da Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica (CCAP) no fortalecimento da AP e da Psicologia no país, os métodos e as técnicas, principalmente os métodos projetivos, e, por fim, a compreensão do psicodiagnóstico como uma avaliação compreensiva e a importância das indicações terapêuticas. E, na sequência, os desafios elencados por este artigo foram: (a) subutilização dos inúmeros recursos disponíveis por meio do uso do computador e as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs), (b) uso inapropriado dos instrumentos de Psicologia, (c) acesso mais restrito à AP por diversas populações e subgrupos e (d) amostras normativas limitadas.
Os Avanços Recentes no Fortalecimento da Prática em AP
Inicialmente, destaca-se a contribuição do SATEPSI, que, ao longo de seus 20 anos de existência, tornou-se referência na qualificação de testes psicológicos no Brasil e no exterior. Criado em 2003 pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), o sistema tem como objetivo assegurar a qualidade técnica e científica dos testes psicológicos utilizados no país, fornecendo critérios rigorosos de avaliação e regulamentação (Resolução nº 31, 2022). Desde sua criação, o SATEPSI contribuiu para o aumento significativo de pesquisas e para a melhoria na elaboração de testes psicológicos brasileiros. O sistema conta com o apoio de especialistas e pesquisadores na área de avaliação psicológica, que, ao longo dos anos, têm aprimorado os parâmetros psicométricos e garantido que os instrumentos utilizados pelos psicólogos sejam eficazes e éticos (Noronha et al., 2023).
Ao longo de duas décadas, o SATEPSI consolidou sua importância com a avaliação de diferentes testes, dos quais 161 receberam parecer favorável e 144 se encontram desfavoráveis, 72 estão desfavoráveis por estudos de normatização vencidos e 17 estão em processo de avaliação (consulta realizada no site do SATEPSI em setembro de 2024). Além disso, observa-se que o sistema também passou por reformas significativas, como a informatização de sua plataforma, que facilitou o processo de submissão e análise dos testes, tornando-o mais ágil e acessível, bem como a possibilidade de selecionar o teste por público-alvo, idade da amostra de normatização, aplicação, correção e o construto.
Diante disso, o SATEPSI é um marco para a Psicologia brasileira, promovendo o aprimoramento contínuo dos testes psicológicos e elevando os padrões de prática profissional na área. Noronha et al. (2023) apresentam os impactos do SATEPSI em seis principais aspectos. O primeiro é o fortalecimento da prática profissional, pois tem incentivado os(as) psicólogos(as) a utilizarem instrumentos de avaliação com maior responsabilidade, baseados em evidências científicas. O segundo ponto destaca a importância das resoluções e atualizações normativas, uma vez que o SATEPSI foi regido por diferentes resoluções ao longo dos anos, sendo a mais recente a Resolução nº 31/2022, que estabelece as diretrizes atuais para a avaliação psicológica no Brasil.
O terceiro ponto refere-se ao rigor no processo de avaliação dos testes psicológicos, que envolve pareceristas ad hoc, responsáveis por analisar e emitir relatórios detalhados sobre os instrumentos, com base em critérios psicométricos, como validade e precisão. Em quarto lugar, destaca-se a contribuição do SATEPSI para a internacionalização da psicologia brasileira, devido ao seu sistema complexo e detalhado de qualificação de testes, algo raro em outros países.
O quinto ponto se direciona no reconhecimento da Avaliação Psicológica como uma especialidade dentro da Psicologia, formalizada pela Resolução CFP nº 18/2019 e atualizada pela Resolução CFP nº 23/2022. Por fim, o último aspecto destaca o papel da CCAP, uma comissão permanente que assessora tecnicamente o CFP em questões relacionadas à avaliação psicológica. Além de avaliar testes, a CCAP elabora materiais que visam qualificar os processos avaliativos e oferece orientações aos profissionais sobre boas práticas na área (Campos et al., 2023).
A CCAP desempenha um papel crucial ao emitir pareceres sobre instrumentos de avaliação psicológica, propor atualizações de documentos normativos e técnicos e promover diretrizes para a formação contínua na área. Além de cumprir esses objetivos, a atuação da CCAP também estabelece diretrizes que fortalecem a área da Avaliação Psicológica. Diante disso, Campos et al. (2023) destacam os avanços promovidos pela CCAP, entre eles: a) a informatização dos testes, com a promoção de estudos de equivalência para garantir a qualidade dos testes informatizados, em resposta à crescente demanda por aplicações remotas; b) a discussão sobre direitos humanos e inclusão, com foco na criação de instrumentos e práticas avaliativas mais acessíveis e éticas, particularmente para pessoas com deficiência; c) o desenvolvimento de práticas avaliativas mais justas e inclusivas; e d) a aproximação com os Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs), por meio da promoção de eventos temáticos e da colaboração na atualização de materiais técnicos, como o “Guia Prático de Submissão de Testes Psicológicos ao SATEPSI”, facilitando a submissão e a avaliação dos instrumentos.
Diante disso, os métodos e as técnicas da Psicologia, de forma geral, também têm avançado. A Resolução do CFP nº 31/2022 estabelece as diretrizes para a prática da AP, as quais os(as) psicólogos(as) devem obrigatoriamente basear sua tomada de decisão em métodos, técnicas e instrumentos psicológicos reconhecidos cientificamente, denominados fontes fundamentais de informação. Esses incluem observação, entrevistas psicológicas/anamneses e testes psicológicos (Resolução nº 31, 2022). Além disso, em determinadas situações, o(a) profissional de Psicologia pode utilizar documentos técnicos (e.g., relatórios, prontuários) e técnicas e instrumentos não psicológicos, desde que respaldados na literatura científica da área, ou seja, demonstrem evidências psicométricas adequadas, sendo denominados fontes complementares. Logo, essa diversificação de métodos, desde que utilize ao menos dois tipos de fontes fundamentais, permite ao(à) psicólogo(a) selecionar os procedimentos que possam auxiliar no atendimento da demanda no processo da AP.
A observação e a entrevista psicológica são técnicas que permeiam todas as áreas da Psicologia, sendo possível conduzir um processo completo de AP utilizando essas duas fontes fundamentais. Isso ocorre porque o conhecimento qualitativo e o clínico são predominantes no raciocínio clínico do(a) psicólogo(a). Todavia, o teste psicológico é uma ferramenta que complementa a avaliação, pois possibilita avaliar fenômenos que não estão diretamente acessíveis ao avaliador. Assim, o(a) psicólogo(a) que possui domínio teórico e técnico na condução das fontes fundamentais pode chegar de forma mais confiável e ética a uma decisão (Sá et al., 2023).
Em relação aos testes psicológicos, é importante destacar os artigos 8º e 9º da Resolução, que determinam que o teste psicológico é de uso exclusivo do(a) psicólogo(a) e, juntamente de seu manual técnico, constitui tecnologia profissional da Psicologia (Resolução nº 31, 2022). Apesar dos desafios da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3481, tais como o acesso aos testes aumenta a chance de treino e falseamento das respostas, a livre comercialização favorece pessoas com maior poder aquisitivo, os quais podem adquirir e treinar com testes aumentando desigualdades em processos seletivos e avaliações compulsórias (Cardoso et al., 2023), os avanços relacionados aos testes psicológicos são notáveis, com contribuições do SATEPSI e da CCAP. Além disso, outros avanços, como o refinamento metodológico, o uso das TDICs, correções informatizadas e indicadores psicométricos, têm sido introduzidos.
O refinamento metodológico inclui o aumento no uso de análises avançadas, como a Teoria de Resposta ao Item (TRI) (Wechsler et al., 2019). Embora ainda haja debates sobre a implementação de testes com o uso da Testagem Adaptativa Computadorizada (Computerized Adaptive Testing, CAT), a expansão da análise TRI é a base para o desenvolvimento da CAT, que oferece maior precisão e personalização na avaliação dos construtos. A CAT ajusta a dificuldade das questões de acordo com o desempenho do avaliado, permitindo uma avaliação mais eficiente e adequada ao nível de habilidade da pessoa, reduzindo o tempo de aplicação dos testes e melhorando a qualidade dos dados obtidos (Peres, 2019).
Outro avanço é a informatização da avaliação psicológica. A adaptação às novas tecnologias, especialmente por meio da informatização dos testes, traz uma série de benefícios para a prática e pesquisa em Psicologia. Inicialmente, uma vantagem se refere à possibilidade de randomização de itens e alternativas, reduzindo a possibilidade de memorização e treinamento indevido, e possibilita a aplicação da CAT, que ajusta o nível de dificuldade com base no desempenho do avaliando, tornando a avaliação mais eficiente e personalizada. Além disso, o uso de multimídia – como vídeos, animações e sons – amplia as formas de aplicação e torna os testes mais dinâmicos e atrativos. A correção automatizada e o feedback imediato agilizam o processo avaliativo, diminuem erros de cálculo e aumentam a precisão dos resultados. Por fim, os testes informatizados também permitem o registro automatizado de variáveis comportamentais, como tempo de resposta e mudanças de respostas, garantindo maior padronização (Miguel, 2019).
Os métodos projetivos, por sua vez, também apresentam avanços no entendimento e na superação das dificuldades de reunir evidências psicométricas nos principais parâmetros de validade e precisão. Mesmo assim, o SATEPSI tem buscado soluções para validar esses métodos de maneira justa, reconhecendo seu papel específico no processo de avaliação psicológica. Noronha et al. (2023) discutem como as críticas aos métodos projetivos estimularam diversas pesquisas, resultando na qualificação dos instrumentos e no aprimoramento de seu uso nos processos de avaliação psicológica.
Entre os métodos projetivos que passaram por refinamentos significativos, destacam-se o Rorschach – Sistema de Avaliação por Performance (R-PAS) e a Técnica do Desenho da Casa-Árvore-Pessoa (HTP), no contexto brasileiro. O R-PAS, por exemplo, introduziu melhorias na aplicação, reduzindo a variação no número de respostas e aumentando a estabilidade do instrumento no reteste. Além disso, houve avanços na normatização dos dados e na padronização para aplicação e codificação (Resende et al., 2022).
O HTP, que anteriormente recebia críticas pela falta de objetividade em sua primeira versão (Borsa, 2010), passou por melhorias significativas. A nova versão do manual para o contexto brasileiro inclui um capítulo sobre “Estudos Psicométricos”, apresentando indicadores de fidedignidade (por meio da concordância entre avaliadores), validade de construto (avaliação em distintos grupos etários que revela as diferenças no desenvolvimento sobre a personalidade) e validade concorrente (comparação de pontuações entre grupos clínicos e de controle) (Tardivo et al., 2024).
Outro destaque é o sistema “Morval: análise de contos”, utilizado na aplicação do Teste de Apercepção Temática (TAT). Esse sistema inclui categorias de análise e dados normativos que permitem uma descrição mais precisa do funcionamento psicológico em adultos (Scaduto & Zuanazzi, 2022). O desenvolvimento de novos manuais e sistemas de análise com evidências psicométricas aumenta a precisão dos métodos projetivos, ao mesmo tempo que preserva sua singularidade e contribuição para a avaliação psicológica.
Outro avanço se refere à AP realizada no contexto clínico, sendo denominada de psicodiagnóstico. Este é um processo de investigação e intervenção clínica desenvolvido ao longo de um número restrito de sessões, com o objetivo de chegar a um diagnóstico psicológico. Para isso, utiliza técnicas e/ou testes com o intuito de avaliar fenômenos psicológicos, fornecendo indicações terapêuticas e encaminhamentos (Bandeira et al., 2016). Além disso, embora não seja seu objetivo primário, o processo de psicodiagnóstico pode ter um efeito terapêutico e favorecer a construção de um vínculo entre paciente e psicólogo. Esse caráter interventivo distingue o psicodiagnóstico da AP realizada em outros contextos (Krug et al., 2016).
Os avanços nessa área referem-se ao entendimento do objetivo do psicodiagnóstico e à importância das indicações terapêuticas. Bandeira et al. (2016) descrevem os objetivos do psicodiagnóstico, entre eles a classificação simples, diagnóstico diferencial, entendimento dinâmico, prognóstico, classificação nosológica e avaliação compreensiva. No entanto, apesar da demanda inicial muitas vezes focada em uma classificação nosológica (categorias diagnósticas), observa-se uma transição para uma avaliação descritiva – também denominada avaliação compreensiva – que permite uma análise mais profunda da pessoa, incluindo aspectos de sua personalidade e comportamento (Sá et al., 2023). Com isso, superou-se a ideia de que a AP é sinônimo de testagem psicológica, com enfoque exclusivo em procedimentos quantitativos para alcançar um diagnóstico nosológico. Atualmente, entende-se que a AP não tem como único objetivo identificar aspectos disfuncionais do indivíduo, mas também descrever suas forças como fatores protetivos para sua funcionalidade.
Essa perspectiva reforça a importância das indicações terapêuticas. No processo de psicodiagnóstico, a última sessão, chamada de entrevista devolutiva, tem como objetivo recuperar os motivos e as questões iniciais da avaliação, refletir sobre o processo realizado, comunicar os resultados obtidos e oferecer sugestões de encaminhamentos terapêuticos (Albornoz, 2016). Essa é uma etapa fundamental e, juntamente do registro por escrito – o laudo psicológico resultante da AP –, torna-se indispensável. É importante que as orientações sejam apresentadas de forma objetiva e direta, preferencialmente com a indicação de locais específicos para acompanhamento. Além disso, o(a) psicólogo(a) deve esclarecer ao interessado, de maneira clara, quais intervenções terapêuticas poderão trazer o maior impacto nas dificuldades identificadas. Juntos, avaliador e avaliado devem selecionar as opções mais viáveis, evitando o excesso de recomendações (Rodrigues et al., 2022).
Esses avanços contribuem para um reconhecimento e fortalecimento da área de AP, e, à medida que eles ocorrem, surgem novas questões, ou até mesmo antigas, mas ainda com limitações para a atuação, que demandam atenção dos profissionais e pesquisadores. Nesse sentido, serão abordados na sequência alguns desafios e limites importantes para a área.
Desafios e Limites de Atuação Enfrentados pelos Profissionais
Um primeiro desafio a ser citado é a subutilização dos inúmeros recursos que o uso do computador e as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs) podem possibilitar para o processo avaliativo. Na maioria das vezes, há uma equivalência das versões papel e lápis do teste e a informatizada, de forma que o computador e suas inúmeras funções ficam limitadas à aplicação e interpretação dos resultados. Como discute Caetano (2022), é necessário um maior aprofundamento e mais estudos de avaliação das qualidades psicométricas de testes on-line, havendo, inclusive, uma atenção em definir o perfil de cada examinando para que a avaliação tenha o seu propósito alcançado.
De acordo com Cóser e Miguel (2021), no formato informatizado, é possível a elaboração de testes adaptativos, com um grande banco de itens, com estímulos diversos e graus de dificuldades. Nesse sentido, existiria uma otimização do teste, uma vez que estímulos mais adequados aos examinandos favoreceriam uma aplicação mais curta e mais precisa. Ademais, os estímulos apresentados poderiam ser apresentados sob diferentes recursos, como vídeos, animações, músicas e vídeos, não precisando ser necessariamente estáticos como no formato papel e lápis.
Essas novas possibilidades, anteriormente não viabilizadas pela testagem tradicional, podem favorecer processos avaliativos mais interativos e dinâmicos, atraindo mais a população de subgrupos, como crianças, adolescentes e idosos (Cóser & Miguel, 2021). Ainda, citam-se outros recursos que podem ser coletados durante esse formato de aplicação, como sistema automático de pontuação, medição de respostas como velocidade de processamento e tempo de reação dos respondentes, rastreamento ocular, dentre outros recursos.
De todo modo, como alertam Muniz et al. (2021), é necessário o desenvolvimento de estudos voltados a avaliar a influência das TDICs na construção do vínculo terapêutico ou do rapport, uma vez que o resultado de uma avaliação psicológica depende, também, da percepção que a avaliada teve do processo avaliativo, ou seja, se foi algo significativo e da qualidade da relação estabelecida nesse processo. Nesse sentido, o uso das TDICs, embora crescente, ainda é incipiente em termos de integração plena nas práticas clínicas, educacionais e de pesquisa. O potencial das TDICs para aumentar o alcance e a personalização dos serviços psicológicos é evidente, mas requer investimentos contínuos em pesquisa, formação profissional e desenvolvimento de diretrizes éticas claras para garantir a qualidade e a segurança das práticas mediadas por tecnologia.
Deste modo, o uso ainda incipiente das TDICs na prática psicológica apresenta desafios significativos para os profissionais da área, exigindo adaptação técnica, ética e metodológica. A integração de ferramentas digitais, como plataformas de avaliação online, intervenções mediadas por tecnologia e aplicativos de saúde mental, demanda capacitação especializada para garantir sua aplicação eficaz e conforme os padrões éticos. Muitos psicólogos enfrentam barreiras relacionadas ao acesso limitado à formação técnica em TDICs, além de dúvidas quanto à segurança de dados e à privacidade dos pacientes em ambientes digitais. A rápida evolução tecnológica também impõe um desafio contínuo de atualização, criando lacunas para profissionais que não acompanham essas mudanças. Ademais, questões sobre a validação e eficácia das ferramentas digitais tornam-se críticas, uma vez que o uso inadequado pode comprometer a qualidade do atendimento e minar a confiança no uso dessas tecnologias. Superar esses obstáculos exige investimentos em formação profissional, regulamentação clara sobre o uso de TDICs e o desenvolvimento de sistemas acessíveis e confiáveis que fortaleçam a atuação ética e eficiente dos psicólogos em contextos digitais.
Um segundo desafio está relacionado ao uso inapropriado dos instrumentos de Psicologia. É inegável a valorização da profissão e o seu reconhecimento por diversas frentes de atuação do psicólogo. As avaliações compulsórias, como nos processos de habilitação de condutores e emissão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), concessão do porte de arma, e previamente aos procedimentos cirúrgicos, refletem o reconhecimento de como o processo avaliativo pode beneficiar os examinados. No entanto, as dificuldades inerentes às avaliações compulsórias, notadamente no que se refere à simulação e dissimulação de candidatos, bem como o uso indevido de diversos instrumentais, denotam as adversidades enfrentadas pelos profissionais.
Um exemplo de uso indevido de instrumento psicológico é o Teste Palográfico, utilizado amplamente para avaliar personalidade no contexto de obtenção da CNH. Em pesquisa realizada por Bannach e Bianchi (2020), foram identificados diversos problemas relacionados ao seu uso, como a rapidez na correção do teste, o não uso dos materiais necessários para corrigi-lo e o erro de significado atribuído aos indicadores, denotando uma falta de padronização na correção do instrumento. Isto é, caso os testes fossem avaliados por examinadores diferentes, é possível que pareceres diferentes também fossem fornecidos.
Esse tema já antecipa outro ponto de necessidade de desenvolvimento da área. Se considerarmos a produção científica em AP sobre evidências de validade de instrumentos psicológicos, privativos e não privativos, observar-se-á um quantitativo majoritário de estudos voltados a apontar evidências de validade baseadas na estrutura interna. Compreende-se que esse tipo de validade é uma propriedade psicométrica primária e possível de ser avaliada com mais facilidade atualmente, em consequência dos diversos softwares estatísticos existentes. Porém, conforme preconizam as diretrizes para testagem psicológica e educacional (AERA, APA, NCME, 2014), existem outras fontes de evidências de validade, e poucos são os estudos voltados a apresentar evidências baseadas no processo de resposta ou de validade consequencial.
Conforme Bandeira et al. (2021) discutem, integram a qualidade do teste (o quão bom ele é) as consequências sociais de suas interpretações; isto é, as perspectivas consequenciais da validade de um instrumento incitam ações e servem para associar o construto medido a questões de prática e política social. Ou seja, refere-se às possíveis consequências sociais, sejam elas intencionais ou não, que resultam dessa aplicação. Para tanto, é necessário avaliar o propósito com o qual o teste foi desenvolvido e verificar se os resultados obtidos respeitam os princípios éticos, morais, de justiça e de direitos humanos (Muniz et al., 2021).
Em relação ao já citado teste palográfico no contexto do trânsito, além dos problemas listados por Bannach e Bianchi (2020), uma questão mais grave está relacionada ao uso indevido e a falhas éticas, que é o acesso a instruções que muitos candidatos buscam obter sobre o teste, a fim de respondê-lo de “forma adequada”, visando obter um parecer apto. Em um sítio eletrônico de busca na internet, ao digitar-se “teste palográfico”, é possível observar as questões a ele associadas, como “O que pode reprovar no palográfico?”, “Como funciona o teste dos Risquinhos do Detran?”, “Qual o segredo do teste dos pauzinhos?”, ou “Quantos Palos devo fazer por minuto?” (busca realizada em setembro de 2024). Além de páginas destinadas a fornecer instruções sobre o teste, é possível ainda listar vídeos com orientações sobre ele, bem como trocas de informações entre candidatos em fóruns. Essa última prática também é comum no contexto da Avaliação Psicológica para concursos públicos, sendo comumente conversado em “fóruns de concurseiros” sobre como ser lograda a aprovação no processo.
Portanto, o uso indevido de testes psicológicos em contextos críticos, como trânsito e concursos públicos, pode gerar graves consequências sociais, comprometendo a justiça, a segurança e a credibilidade desses processos. No trânsito, a aplicação inadequada de testes psicológicos para avaliar a aptidão de condutores pode resultar em permissões concedidas a indivíduos incapazes de dirigir com segurança, aumentando os riscos de acidentes e impactando diretamente a saúde pública. Em concursos públicos, o uso de instrumentos não validados ou aplicados de forma incorreta pode favorecer práticas discriminatórias, prejudicar candidatos qualificados e questionar a transparência e equidade na seleção para cargos públicos. Essas situações trazem o desafio para a área de reforçar a necessidade de rigor técnico, treinamento adequado dos profissionais e fiscalização contínua para garantir que os testes sejam utilizados em conformidade com padrões éticos e científicos. Além disso, o fortalecimento da regulamentação e a educação sobre os impactos sociais do uso inadequado de instrumentos psicológicos são essenciais para mitigar esses problemas e promover a confiança da sociedade nos processos de avaliação, bem como denotam a necessidade de serem conduzidos estudos de validade consequencial de instrumentos utilizados em contextos de avaliações compulsórias.
Outro desafio da área refere-se a um acesso mais restrito à AP por diversas populações e subgrupos. Em razão da complexidade do processo avaliativo, o valor do serviço individualizado conferido a ele costuma ser inacessível para populações de baixa renda. Ademais, para alguns subgrupos, o instrumental disponível é limitado, de forma que existem poucos testes aprovados para pessoas com deficiência (PcD). Conforme refletem Lima e Melo (2024), o público da AP são indivíduos com diversidades físicas, cognitivas e sensoriais, e que as dificuldades relacionadas à avaliação desse público ocorrem tanto para o avaliando quanto para o avaliador. Nesse sentido, as autoras chamam a atenção para a necessidade de contornar essa problemática a partir da construção de novas iniciativas de testagem psicológica.
Em muitas situações, é feita uma adaptação dos formatos de aplicação para que seja ampliado o instrumental a esses grupos, como a leitura (uso da linguagem oral falada) das assertivas dos inventários de autorrelatos para indivíduos com deficiência visual total ou parcial (Campos, 2022). No entanto, se for considerada que a aplicação tradicional faz uso de elementos visuais em sua composição, essa adaptação acaba por não ser efetivamente inclusiva (Vaz & Melo, 2022). Assim, há a necessidade de observância de alguns aspectos, como a dicção do avaliador, o ambiente isento de ruídos e distratores sonoros ou, ainda, a capacidade e habilidade auditiva do examinando cego (Campos, 2022).
Em uma revisão de literatura sobre a avaliação psicológica em pessoas com deficiência visual realizada por Vaz e Melo (2022), as autoras elencam que as principais adaptações feitas em instrumentos psicológicos foram a presença de elementos táteis, transcrição para o braile, leitura oral e explicações verbais; contudo, em quantitativo reduzido. Em perspectiva similar, Furtado (2023) cita que há apenas três estudos voltados para adaptar os instrumentos psicológicos para pessoas surdas, de forma que essa população esbarra, ainda, em uma dificuldade básica para um atendimento humanizado: uma comunicação eficaz.
Com o propósito de assegurar adaptações e equivalências devidas, em 2019, o Conselho Federal de Psicologia publicou a Nota Técnica nº 4/2019/GTEC/CG, que orienta os profissionais, editoras e laboratórios responsáveis quanto às pesquisas para construção, adaptação e estudos de equivalência de testes psicológicos para pessoas com deficiência. Na nota, é explicitado que seja estudado o efeito das diferenças entre os grupos no funcionamento dos itens do teste psicológico e dos escores por meio de estudos de equivalência, a fim de garantir uma testagem justa para todos os participantes. Também é apresentado o conceito de desenho universal (DU), que busca proporcionar a máxima acessibilidade reduzindo o viés de medida, em observância a alguns aspectos, como conhecimento sobre o público-alvo a quem o teste se destina e de seus graus diferenciados de uma mesma deficiência, em razão da heterogeneidade de população com deficiência, condições iguais de aplicação para indivíduos com e sem deficiência, e estudos empíricos, com uma amostra ampla e diversificada, dentre outros aspectos (Nota Técnica nº 4, 2019). Em pesquisa realizada por Vaz e Melo, (2022), as autoras não encontraram a utilização de tecnologias assistivas e baseadas no modelo de DU para pessoas com deficiência visual.
Um quarto desafio na área de AP está voltado ao uso de amostras normativas provenientes predominantemente das regiões Sul e Sudeste, bem como compostas majoritariamente por estudantes universitários. Compreende-se que isso ocorre, principalmente, em razão de os principais autores e pesquisadores dos testes estarem vinculados a Instituições e Programas de Pós-Graduação localizados nessas regiões. Andrade e Sales (2017) reconhecem que é uma prática recorrente que os estudos de normatização utilizem amostras de conveniências locais. Contudo, isso dificulta ou mesmo impossibilita comparações dos avaliandos com características diversas com o grupo de referência normativo. O Brasil, sobretudo, é um país de dimensões continentais, com particularidades culturais em suas regiões, de forma que, dependendo do construto, os resultados dos testes podem diferir.
O Conselho Federal de Psicologia, ciente da necessidade de contemplar grupos diversos nas amostras dos testes psicológicos, em sua Resolução nº 31/2022, definiu que devem ser incluídos: grupos com características importantes da amostra de normatização (por exemplo, sexo, escolaridade, região, nível socioeconômico etc.) e participantes de diferentes regiões geopolíticas brasileiras. Peixoto et al. (2024) reconhecem a importância dessa resolução para que os pesquisadores, laboratórios de pesquisa e editoras contemplem amostras normativas mais abrangentes.
Quanto ao uso de estudantes universitários como amostra normativa, também se compreende a dificuldade de coletar um número elevado de casos, bem como espaços de coleta de dados com condições ambientais de aplicação padronizadas. Não obstante, argumenta-se que o estudante universitário é um grupo com um elevado estrato de habilidade, de forma que não se torna representativo da população geral. Peixoto et al. (2024) reforçam a importância de também serem incluídas amostras de pessoas em situação de vulnerabilidade e grupos socialmente minorizados, como populações LGBTIAPN+, povos indígenas, povos quilombolas, populações ribeirinhas, entre outros, ainda que também sejam pessoas que têm suas vidas influenciadas por processos de avaliação e testagens psicológicas em serviços de saúde, acesso a CNH, manuseio de arma de fogo, entre outras situações.
Assim, o terceiro e o quarto desafios, cujos público-alvo e amostras normativas estão limitadas a determinados grupos amostrais, impactam a validade externa dos testes psicológicos e comprometem a sua capacidade de gerar resultados precisos e generalizáveis para populações diversas. Isto é, quando desenvolvidos e validados com base em amostras homogêneas, como indivíduos de uma única faixa etária, classe socioeconômica ou região geográfica, esses instrumentos tendem a refletir vieses que não capturam a complexidade de outros contextos culturais e demográficos. Essa limitação pode levar a interpretações equivocadas, diagnósticos errôneos e à exclusão de grupos minoritários ou vulneráveis do acesso a uma avaliação psicológica justa. Nesse sentido, enfatiza-se que, para contornar essas restrições, é essencial ampliar as amostras de validação, incorporando populações diversas e representativas em termos culturais, sociais e geográficos. Além disso, métodos como a adaptação transcultural e estudos de validade incremental podem assegurar que os instrumentos sejam sensíveis às particularidades de diferentes contextos. Parcerias entre pesquisadores locais e internacionais, além do uso de tecnologias que facilitam a coleta de dados em larga escala, também podem contribuir para democratizar o acesso a testes psicológicos robustos e inclusivos.
Conclusão
Este trabalho teórico objetivou discutir os desafios e avanços da AP, com foco na prática profissional no Brasil. Inicialmente, destacou-se o SATEPSI, que, constituindo-se como uma das principais ferramentas regulatórias para garantir a qualidade e a validade científica dos instrumentos psicológicos, representa uma medida pioneira e essencial para assegurar que estes atendam aos padrões científicos e éticos. Assim, pesquisadores e profissionais têm acesso a instrumentos validados de acordo com critérios internacionais, fortalecendo a credibilidade da psicologia brasileira em contextos globais. Ademais, a exigência de validação dos instrumentos em diversos contextos culturais do país fomentou um aumento significativo de estudos metodológicos e psicométricos. Este cenário incentivou o desenvolvimento de instrumentos genuinamente brasileiros, contribuindo para a independência científica do país.
Na sequência, foram discutidos os avanços nos estudos psicométricos e projetivos na área de avaliação psicológica, que têm sido marcados por inovações metodológicas e tecnológicas que ampliaram significativamente a precisão e a aplicabilidade dos instrumentos psicológicos. No campo psicométrico, em discussão associada ao uso das TDICs, destacam-se os progressos na modelagem por Teoria de Resposta ao Item (TRI), permitindo maior sensibilidade na análise de itens e a criação de instrumentos adaptativos que se ajustam ao perfil do respondente, otimizando tempo e acurácia. Além disso, o desenvolvimento de softwares e plataformas digitais integradas facilitou a coleta de dados em larga escala e a validação de testes em populações diversificadas. Já nos estudos projetivos, as abordagens contemporâneas incorporaram novas evidências neurocientíficas e avanços em análise qualitativa e quantitativa, aprimorando a compreensão das respostas projetivas em contextos clínicos e culturais específicos. Esses progressos fortalecem a avaliação psicológica ao garantir maior rigor científico e relevância prática, contribuindo para intervenções mais eficazes e eticamente fundamentadas.
A compreensão do psicodiagnóstico como uma avaliação compreensiva também foi listada como um avanço da área, uma vez que oferece benefícios significativos ao integrar múltiplas dimensões do funcionamento psicológico do indivíduo, incluindo aspectos cognitivos, emocionais, comportamentais e contextuais. Essa abordagem amplia a profundidade da análise ao considerar não apenas os sintomas apresentados ou objetivar uma classificação nosológica, mas também as dinâmicas subjacentes e os fatores ambientais que influenciam a experiência subjetiva. Além disso, o psicodiagnóstico compreensivo facilita a elaboração de indicações terapêuticas personalizadas e fundamentadas, promovendo intervenções mais eficazes e alinhadas às necessidades específicas de cada paciente. Essa perspectiva destaca a importância de um trabalho colaborativo entre avaliador e paciente, favorecendo um entendimento holístico que não se limita ao diagnóstico, mas também orienta o planejamento terapêutico.
Após a apresentação dos principais avanços da área, foram discutidos limites e desafios para a prática profissional do psicólogo. O primeiro ponto de discussão foi a incorporação TDICs na avaliação psicológica, que representa uma revolução potencial na prática profissional e oferece oportunidades para processos mais dinâmicos, interativos e ajustados às necessidades individuais dos examinados. Contudo, seu uso ainda enfrenta desafios importantes, como a subutilização das funcionalidades tecnológicas, a necessidade de validação psicométrica específica e as questões éticas e de segurança relacionadas à sua aplicação. Além disso, a adaptação às TDICs exige formação contínua e investimentos que possibilitem tanto o aprimoramento técnico quanto a criação de um vínculo terapêutico eficaz em contextos mediados por tecnologia. O futuro do uso das TDICs na psicologia depende de esforços conjuntos para superar barreiras e explorar plenamente suas possibilidades, garantindo que essas ferramentas se tornem não apenas uma alternativa, mas uma extensão efetiva e ética da prática psicológica tradicional.
Apesar dos avanços significativos na regulamentação e no desenvolvimento de testes psicológicos, o uso inapropriado desses instrumentos ainda persiste em diversas áreas da prática psicológica, configurando um segundo desafio ético e científico. Casos de aplicação por profissionais não habilitados, utilização de instrumentos não validados para a população-alvo ou fora de suas condições técnicas ideais comprometem a validade dos resultados e podem levar a interpretações equivocadas e decisões inadequadas. Além disso, a comercialização irregular e o acesso irrestrito a materiais de testes pela internet facilitam o uso indevido, enfraquecendo a confiabilidade da avaliação psicológica como um todo. Esse cenário ressalta a importância de iniciativas contínuas de fiscalização e capacitação profissional, bem como o fortalecimento de sistemas como o SATEPSI, que assegurem a qualidade e a ética no uso dos testes psicológicos, promovendo práticas baseadas em evidências e protegendo o público de potenciais danos.
Por fim, foram discutidas as limitações relacionadas a testes restritos a diversas populações específicas e subgrupos, bem como ao uso de amostras normativas prioritariamente de determinadas regiões do país. Isto é, muitos instrumentos são desenvolvidos e validados em amostras homogêneas, frequentemente compostas por indivíduos urbanos, de classe média e com alto nível de escolaridade, o que limita sua generalização para outras realidades sociodemográficas e culturais. Essa falta de representatividade pode resultar em viés na avaliação, subestimação de capacidades ou diagnósticos incorretos quando aplicados em populações marginalizadas ou minoritárias. Ademais, a ausência de versões adaptadas ou validadas para grupos diversos, como pessoas com deficiência ou de culturas específicas, perpetua a exclusão e fragiliza o papel dos testes como ferramentas inclusivas e equitativas. Urge que esforços de pesquisa e desenvolvimento priorizem a ampliação da validade transcultural e da acessibilidade, garantindo que a avaliação psicológica seja representativa e ética em diferentes contextos.
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Recebido em: 15/09/2024
Última revisão: 13/12/2024
Aceite final: 17/12/2024
Sobre as autoras:
Maria Gabriela Costa Ribeiro: [Autora para contato]. Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Professora adjunta do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Neurociência Cognitiva e Comportamento (PPgNeC) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Atuação em avaliação psicológica. E-mail: mgcr@academico.ufpb.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6920-9070
Isabel Cristina Vasconcelos de Oliveira: Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Professora adjunta do Departamento de Psicologia e do Mestrado Profissional em Psicologia Clínica (MPPsiCli) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Atuação em Avaliação Psicológica, principalmente avaliação da personalidade e avaliações compulsórias. E-mail: isabel.vasconcelos@academico.ufpb.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0121-2200
Dossiê: Avanços e Desafios da Avaliação Psicológica